Dente por dente, mato por mato

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Rita Moreira, Carla Veríssimo e Raquel Neves.

18 Jan. 2010:
Regressamos ao campo. Desta vez, a voluntária que nos acompanha é a Raquel Neves.
Saímos de Lisboa às 8h30. Não precisamos de ir a Leiria buscar a Carla. Ela irá ter connosco mais tarde, pois foi a uma entrevista para integrar a coordenação de outro projecto da SPEA: Avifauna e Linhas Eléctricas dos Açores.
Chove e apanhamos muito nevoeiro pelo caminho.
Depois do almoço fazemos uma linha corrigida com mangas de PVC, na Barragem de Santa Maria de Aguiar. Estas protecções evitam a electrocussão das aves que possam tocar nos fios quando pousam nos postes. A Barragem estava muito cheia, resultado do Inverno chuvoso. Alguns dos cais até se encontram submersos! Começamos por prospectar a linha a 3, para explicar os procedimentos à Raquel. Encontramos umas penugens dispersas e presas nas giestas, mas não conseguimos saber se serão provenientes de alguma ave que colidiu ou se é o que resta da refeição de uma rapina. Ao longe, sobrevoam-nos dois grifos.
A Julieta volta para trás para buscar a carrinha e fica de nos apanhar no fim da linha. O sol de fim de tarde dá-nos outro ânimo, após tantos dias de chuva. Já perto do final encontramos uma pena escura e enorme. Com aquele tamanho talvez seja de cegonha ou de um abutre, mas não encontramos mais nada.
Não muito longe ouvimos algo que parece um tractor. Espantamo-nos por perceber que era a nossa carrinha! Quando lá chegamos, já a Julieta tinha identificado a origem do ruído: havia um parafuso saliente que raspava na ventoinha. O brilho metálico de uma parte do mesmo (enquanto todo o resto estava sujo) denunciava que se tinha desapertado recentemente. Tentamos enroscá-lo à mão, mas a falta de ferramentas dificultou a tarefa. O pouco que conseguimos foi suficiente para já não fazer ruído. De qualquer forma, decidimos que o melhor era procurar uma oficina onde pudessem efectuar a reparação.
O resto da linha era bem mais complicado de prospectar pois eram cerca de 400 m de vinha perpendiculares à linha. Ao princípio ainda entrávamos de 3 em 3 fiadas de vinha, pois era o máximo que conseguíamos ver, mas os corredores eram cada vez mais longos e distantes da linha, pelo que para avançar apenas 2 ou 3 metros tínhamos de andar uns 50 m. Começamos então a passar por baixo dos arames de suporte. Isto dificulta a prospecção pois estamos constantemente a baixarmo-nos para passar por baixo e mal nos levantamos temos praticamente que nos baixar novamente para passar no seguinte. É melhor do que ir ao ginásio! A vontade de gatinhar por ali fora não deixa de nos passar pela cabeça. Pena estar tudo enlameado. Com as pernas doridas, finalmente encontramo-nos com a Julieta e regressamos a Figueira de Castelo Rodrigo em busca duma oficina. O senhor diz-nos que se trata do parafuso que segura o alternador, que perdeu a porca. Encontrada uma que sirva, é novamente atarrachado. Já com a carrinha sem ruídos, vamos para a residencial.
Jantamos ali perto. Para sobremesa servem-nos um doce da casa mas em vez de leite condensado com bolacha e natas, tinha também um pudim flan no fundo! Nunca tal tínhamos visto!
Depois do jantar a Julieta foi à Guarda buscar a Carla.

19 Jan. 2010:
Saímos cedo como normalmente. A Carla fica a prospectar uma linha perto da estrada e eu vou com a Raquel ver uma linha em Almofala.
Começamos perto de um monumento chamado Cruz do Roquilho, uma cruz em pedra que assinala uma antiga via de peregrinação a Santiago de Compostela. No meio da vegetação, a Raquel quase pisa uma codorniz escondida nas ervas! Não andamos muito quando encontramos, no meio de um silvado, as penas e ossos de uma rapina. Estão muito deteriorados para perceber do que se trata… Debaixo de aguaceiros vamos caminhando até entrar uma zona queimada e onde observamos algo que nunca tínhamos visto: amoras carbonizadas! Estão sob as silvas, pretas e rijas! Deixam na mão e no papel os típicos riscos de carvão. Sempre achei que iriam arder e não ficar com aquele aspecto! Um pouco mais à frente, uma asa de passeriforme. Procuramos em redor mas apenas resta aquele vestígio. Apesar de molhada e incompleta, lembra a de um tentilhão. Chegamos à carrinha e regressamos para apanhar a Carla que tinha também terminado a sua prospecção.
Depois, juntou-se a nós a Julieta que tinha feito uma 3ª linha na direcção de Escarigo.
Após o almoço trocamos equipas. A Raquel e a Julieta fazem a linha de Vermiosa e eu vou fazer a linha de Escalhão-Mata de Lobos com a Carla.
A Carla tinha ido tentar arrancar um dente, mas em vão, como tal, estava a tomar medicamentos para evitar uma infecção e calmantes para uma 2ª tentativa. Estava assim muito sonolenta, pelo que assumi o volante da carrinha e ela o co-piloto, pois já ali tinha estado e reconheceria os caminhos.
Contudo temos dúvidas para sair de Vermiosa. Dentro das povoações a estrada deixa de ser alcatroada e passa a ser em paralelepípedos, pelo que a noção de “estrada principal” se perde. Com a ajuda de um morador, lá encontramos o caminho no sentido pretendido. Como não conheço o caminho e não há indicações na estrada, no primeiro entroncamento, pergunto à Carla se devo seguir em frente. Sim, diz ela, e sigo. Entramos noutra povoação. Sigo pelo que me parece ser o caminho principal, mas dou comigo numa rua sem saída. Pergunto a um senhor se o caminho para Mata de Lobos era por ali. Diz-me que aquele caminho vai lá ter, mas para não ir por ali porque o caminho está muito mau. Que é melhor ir pelo caminho alcatroado. Um rapaz mais novo aproxima-se de nós e diz: sigam-me que eu indico-lhes a estrada para lá. Tenho de fazer inversão de marcha e quando reparo o carro e o rapaz tinham desaparecido! Começo a andar novamente pela aldeia na esperança de o voltar a ver. Paro à entrada de cada rua para espreitar, não vá ele estar à nossa espera. Finalmente encontramo-lo e indica-nos o tal caminho.
Mais à frente, noutro entroncamento, pergunto à Carla: Achas que é pela direita? Sim, diz ela. E a mesma situação se passa de cada vez que passo num entroncamento sem indicações. Começo a desconfiar, pois inicialmente recebia sempre sim como resposta e a partir de certa altura deixo de receber resposta alguma. Quando olho para o lado, a Carla dormia profundamente, com o mapa caído a seus pés e o GPS no colo. Ora bolas! Ela estava a responder inconscientemente! Então e agora, onde estaríamos? Parei a carrinha, apanho o mapa do chão e começo a olhá-lo na esperança de descobrir onde estava, mas havia demasiados entroncamentos… Estava completamente perdida! A carrinha ainda tinha gasóleo, por isso só me restava ir andando até encontrar a próxima povoação e descobrir onde estava no mapa. Pelo caminho encontro um pastor com o seu rebanho mesmo no meio da estrada. Ele bem as tentava afastar, mas o rebanho era tão grande e as ovelhas deslocavam-se como bem entendiam. Ia andando nas abertas que o pastor criava e dei por mim rodeada de ovelhas. Parei. Agora é que não conseguia mesmo sair dali!!
Finalmente as ovelhas seguiram por um caminho de terra batida e pude continuar a viagem. Olhei para o lado. A Carla continuava a dormir…
Outra povoação. Infelizmente não tinha placa à entrada e não havia gente a quem perguntar. Começo a ver linhas de média tensão e tento aproximar-me para ver a numeração. Dou comigo no cemitério… também não era por ali… Volto atrás, sem conseguir perceber onde estava…
De repente, uma voz a meu lado! A Carla tinha finalmente acordado! Andamos mais um pouco e ela diz que lhe parece reconhecer a zona. Entramos num caminho de terra batida, ou melhor, de lama, para tentar chegar aos apoios que vemos adiante, para depois descobrir que afinal não eram aqueles…
Retomamos a estrada de alcatrão. Se a linha vai de Mata de Lobos para Escalhão, talvez em Escalhão seja mais fácil dar com ela. Seguimos viagem para darmos connosco em Figueira de Castelo Rodrigo!, Outra vez!!!
Conclusão um percurso que seria Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos, para depois encontrarmos aí a estrada de Mata de Lobos para Escalhão, e prospectarmos a linha, tornou-se num Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos – voltas e voltas em Mata de Lobos – Estrada Mata de Lobos – Figueira de Castelo Rodrigo – Figueira - Escalhão – Escalhão - Mata de Lobos, para finalmente ficar na estrada que a Carla “procurava”!
A linha está corrigida com antipoisos e salva-pássaros. Como perdemos quase 2 horas nestas voltas, decidimos que o melhor seria cada uma fazer um lado da linha em sentidos opostos. Dado que já não temos muito tempo de luz, optamos por deixar a carrinha a meio da linha. A Carla iria com a carrinha até lá e fazia a prospecção na minha direcção. Eu, quando chegasse à carrinha, pegava nela e vinha buscar a Carla ao início.
Onde fico, não encontro acesso ao primeiro apoio. Tenho de ir dar uma grande volta para conseguir lá chegar. Aviso a Carla que já prospectei aqueles 3 apoios e 2 vãos, já que tive de ir e voltar para poder entrar e sair pelo mesmo sítio. Estava numa zona de pastagens onde a erva era já alta. Quase de debaixo dos meus pés, sai a correr uma lebre. Corre, corre e salta o muro de pedras que delimita o lameiro como se fosse um pequeno obstáculo no seu caminho. Atravessa a estrada e faz o mesmo do outro lado, onde deixo de a ver. O muro tinha quase a altura da minha cintura, pelo que desejei ser lebre e saltá-lo com a mesma facilidade quando lá cheguei.
A Carla diz-me pelo walkie-talkie que afinal não vai prospectar o lado da linha dela pois tem de ir buscar a Raquel e a Julieta que entretanto acabaram a linha delas. Sigo então sozinha, a fazer zig-zags de modo a conseguir prospectar ambos os lados da linha.
Começa a ficar frio e escuro… Ao longe, com os binóculos, vejo aproximar-se a carrinha. A Carla estaciona-a no local combinado inicialmente e começa a prospecção na minha direcção. Deixou a Julieta e a Raquel na ponta da linha e elas vão prospectá-la na nossa direcção enquanto houver luz. Quando nos encontramos, retomamos à carrinha. Está já escuro e por pouco não pisamos um sapo-corredor.
Jantamos perto da residencial. À noite, tentamos descobrir qual é a espécie de ave que a Julieta e a Raquel apanharam. Mas não foi fácil. É daqueles grupos mais complicados, entre petinhas, lavercas e cotovias. As cotovias ficaram logo de parte, pois não têm as penas exteriores da cauda branca. Depois de muita olhar para os guias, concluímos que é uma laverca (Alauda arvensis), já que o dorso tem as penas quase individualizadas, ao contrário do que acontece nas petinhas, com o dorso mais uniforme.

20 Jan. 2010:
Após o pequeno almoço, dividimos uma linha de Escalhão em duas partes. Prospecto com a Carla e a Raquel vai com a Julieta. Depois de pôr as galochas, começamos a prospectar.
Esquecemo-nos de trazer a 2ª chave da carrinha e tanto a Julieta como nós temos de voltar atrás para a apanhar. A nossa linha começa em zona de vinha, perto de pombais tradicionais. 
Felizmente a parte de vinha é curta. É cedo e com o sol as aves vão aparecendo. Vamos observando o chão e com os binóculos várias aves: garças, tentilhões, chapins, piscos-de-peito-ruivo, cotovias…
Ao passarmos uns muros, deparamo-nos com um frigorífico ali deitado no meio do nada. É incrível o tipo de lixo que se encontra por ai espalhado!
Mais à frente, penas brancas. Provavelmente de alguma garça que colidiu com a linha e foi predada por um carnívoro.
Procuramos em redor por mais vestígios, mas nada. Recolhidas as penas, continuamos. Rapidamente chegamos à carrinha e vamos buscar o resto da equipa. Como ainda é cedo, fazemos outra linha antes do almoço. A linha desce na direcção do Rio Águeda. Começo cá em cima com a Julieta, e a Carla leva a carrinha mais para baixo. 
Vamos prospectando e observamos um grifo a voar muito perto de nós. Observo-o com os binóculos e passo-os à Julieta para ver também. Já sem binóculos, olho em redor e vejo uma pena grande. Apanho-a, aproximo-me do apoio para ver o número. Já perto deste, só me lembro de ver pelo canto do olho algo na direcção do meu joelho, com uma boca de cor clara, aberta. Instintivamente, dou um salto para trás e uma cobra cai-me aos pés! Assim que chega ao chão, esconde-se por entre as pedras que ali existiam.
A Julieta, ao ver-me saltar, vem na minha direcção para perceber o que aconteceu. Talvez fosse uma cobra-de-ferradura, já que era grande, escura e parecia ter uma espécie de losangos nas costas.
Deveria estar a apanhar sol em cima das pedras e provavelmente até terá dado sinal de que ali estava, mas eu estava a olhar para cima para o grifo e nem me apercebi de nada. Como se sentiu ameaçada, esta tentativa de mordedura foi para se defender, até porque esta espécie não é venenosa nem possui sequer dentes inoculadores de veneno (diz-se aglifa), não constituindo, por isso, uma ameaça para o Homem.
Nisto, olho para trás e vejo uma carcaça grande de uma ave. Estava mesmo ao meu lado, mas com a história da cobra nem me apercebi à primeira. Ainda estava bastante inteira e percebemos que é um milhafre-real. Juntamos todos os indícios, tiramos fotos e seguimos caminho.
Almoçamos feijoada e febras em Escalhão. Pela primeira vez em meses está sol e temos calor! Já de barriga cheia, seguimos para a última linha do dia. É uma linha que já foi corrigida com mangas e espirais. Fico com a Carla no olival e elas seguem. A primeira parte faz-se relativamente bem. Ao contrário do esperado, já que a linha está corrigida, encontramos penas de uma rapina junto a um apoio e que tinha sido predada por um mamífero. As penas estão muito espalhadas e algumas até foram arrastadas para dentro de buracos existentes nos muros que rodeiam as oliveiras. Mais à frente o percurso complica-se. Continua a ser olival mas desta vez em socalcos e a subir. Os socalcos são demasiado altos para trepar, obrigando-nos a dar grandes voltas para conseguir subir para o patamar superior e para prospectar apenas mais 15 ou 20 m… Cansadas de andar para trás e para diante, tentamos trepar um socalco mais baixo e com alguns buracos no muro. A Carla sobe primeiro, ao fim de algumas tentativas, e depois ajuda-me. Dá-me a mão na parte final, mas um dos meus pés escorrega no musgo, levando-a a desequilibrar-se também. Com a sensação de que ia cair de costas completamente desamparada (e provavelmente levar com a Carla em cima!), agarro-me ao chão de tal forma que ficaram as marcas na terra. Mas não cai! Desistimos de trepar socalcos porque se revelou muito perigoso. Mais à frente, uma zona de vinha, mas felizmente é curta.
Numa zona mais alagada, encontramos penas da zona do peito de um passeriforme, pelo que a identificação não é possível na altura.
Chegamos à carrinha, após passar zonas com muito lixo.

Já é quase de noite e seguimos a linha para apanhar a Julieta e a Raquel, mas não é tão fácil como parece, pois existem diversos caminhos de terra por ali. Já todas juntas, questionamo-nos qual será o melhor caminho, para sair dali, sem atolarmos a carrinha. Encontramos um jipe que parece conhecer bem a zona e decidimos segui-lo. Apesar das derrapagens na lama, regressamos à estrada que queríamos!
Regressamos à residencial para tomar um merecido banho e tirar a lama de cima.

21 Jan. 2010:
Encontramo-nos mais uma vez na sala de pequeno-almoço. A Carla aproveita para arranjar um farnel já que vai regressar a Leiria, para arrancar finalmente o dente. Tem andado tão sedada que até se troca toda e pergunta “Eu já tomei os documentos?”
Vai fazer vários transbordos, em vários meios de transporte. Nós tememos que adormeça algures e não consiga chegar ao destino… Deixamo-la na paragem de autocarro em Figueira de Castelo Rodrigo, juntamente com uma velhota. Ainda nem invertemos a carrinha e já são grandes amigas! Isto de viver em terras mais pequenas é assim…
Começamos por fazer uma linha em Freixeda do Torrão. O terreno é de fácil progressão, apesar de termos a impressão de que nos encontramos dentro de uma pastagem de gado bovino… Atentas vamos avançando. Há zonas bastante alagadas, mas quando saímos do carro não nos apercebemos e deixámos lá as galochas.
Algumas zonas têm plantações de árvore em corredores, sendo estes “altos” os únicos locais onde as botas não ficam submersas. Contudo, as árvores “empurram-nos” quando tentamos passar! Os ramos avançam à nossa frente e empurram-nos na direcção da água, algo que queremos de todo evitar. A Raquel diverte-se a filmar-me nestas aventuras.
Mais à frente encontra as penas de um passeriforme. Estão molhadas e não conseguimos perceber o que são. Recolhemos e continuamos até encontrar a Julieta. Seguimos as 3 a prospectar o lado que falta até à carrinha.
Ainda antes de almoço fazemos uma linha em Almendra, onde recolhemos penas de uma pega-azul e alguns ossos mais à frente. Encontramos um pastor a quem perguntamos se costuma ver aves mortas por ali. Como passam muitas vezes no mesmo sítio e passam horas no campo, são sempre bons conhecedores destas situações. Diz-nos que nunca viu aves mortas ali, apenas um melro-preto morto perto do café onde costuma ir.
Ao longe sobrevoa um milhafre-real, e mais perto vemos felosas-do-mato e um picanço-real.
À tarde fazemos uma linha em Malpartida. Agora levamos as galochas! Não nos enganam outra vez!
Deparamo-nos com um rebanho de ovelhas a pastar. Nunca pensei que fossem tão assustadiças! Mal nos aproximamos começam a correr para longe. Falamos com o pastor, mas não nos ajuda em nada… Mais à frente, campos lavrados! Mais uma vez, enterramo-nos até ao meio da perna e é muito difícil progredir no terreno, pois faz uma espécie de sucção na bota e temos de ter cuidado para não ficarmos descalças! A Raquel filma-me novamente! A Julieta comunica connosco. Paro para falar com ela e perceber onde ficou estacionada a carrinha, mas temo não conseguir lá chegar, pois sinto-me a afundar lentamente. Com esforço lá me desenterro. Pelo caminho vemos uns amontoados de lagartas peludas. Lembram a processionária-do-pinheiro, embora sejam totalmente escuras. Questionamo-nos se estarão relacionadas com os carvalhos.
Entramos numa zona com pedreiras. Parecem desactivadas mas dão um aspecto sinistro à paisagem castanha. Encontramos penas e ossos que não somos capazes de identificar. Ajudamos a prospectar uma parte da linha da Julieta, mas uma vez que está a ficar escuro, decidimos voltar à carrinha e ir buscá-la. Mas a tarefa não é assim tão óbvia. Damos com muitos caminhos que terminam em áreas de gado com portões que nos obrigam a voltar atrás, ou então em pedreiras… Com receio de nos perdermos da linha, regressamos para perto dela onde, entretanto, a Julieta chega também.
Cansadas, regressamos a Figueira para apanhar os voluntários para o dia seguinte: o Eduardo Realinho e a Vanessa Mata. No caminho temos ainda a sorte de ver uma fuinha a atravessar a estrada ao fundo!
A viagem até Mogadouro é longa, em estradas cheias de curvas e estamos cansadas do dia de trabalho. Só nos apetece um bom banho quente e jantar. Chegadas à residencial, deparamo-nos com uma enorme escadaria pela qual temos de levar as malas. Fico com a Raquel num dos quartos, o Eduardo noutro e a Vanessa e a Julieta no terceiro. Mas ainda nem estamos instalados quando temos de trocar! A senhora diz-nos que o quarto individual (apesar de todos terem 2 camas!) era onde eu e a Raquel estávamos! Trocamos com o Eduardo que estava no quarto “duplo”. O quarto estava um gelo, apesar de ter ar-condicionado. Quando pegamos no comando para aumentar a temperatura, a senhora retira-o das nossas mãos e diz que já preparou tudo e que os quartos já vão começar a aquecer. Diz-nos para não mexermos nos comandos nem no ar-condicionado porque podemos estragá-los!
Assim que sai, volto ao comando. Indica que estão 10º C dentro do quarto! Tão frio como lá fora! Aumento a temperatura e dirijo-me à janela para fechar as persianas, que descubro serem inexistentes! Mas ao menos vejo a razão para tanto frio: a janela estava aberta! Estou a fechá-la quando a Raquel me pergunta se já olhei bem para a casa-de-banho. Era minúscula e tinha o lavatório mais pequeno que alguma vez tinha visto! Parecia aqueles da creche! E não nos conseguíamos sentar na sanita como deve de ser, só de lado, já que a divisão era tão estreita que o lavatório estava instalado em frente à sanita. Era impossível que alguém mais forte ali coubesse! Mas as maravilhas não acabavam aqui! Por cima do dito lavatório havia um pequeno armário com espelho. Mas estava pendurado tão alto que a única coisa que se via era a nossa testa!
O poliban era nas mesmas proporções do resto: quadrado com cerca de 50 cm de lado e com uma cortina. Ainda me questiono para que servia o suporte de toalhas do bidé se não existia nenhum…!
As toalhas eram cada uma de sua nação e pareciam feitas de papel. Eram tão finas que receei que se fossem rasgar quando molhadas!
O quarto tinha ainda um armário sem maçanetas e uma das portas não abria por estar trancada, e não tinha chave, assim tivemos de pôr tudo apenas de um lado e depois empurrar para ter mais espaço!
Com a esperança de que o quarto aquecesse entretanto, fomos jantar ao restaurante do andar de baixo. A entrada era por uma espécie de bar/tasca com uma enorme mesa de bilhar a imitar mármore. Nunca tínhamos visto algo assim.
Quando perguntamos se ainda servem jantar, olham-nos com o ar mais estranho que conseguem… Dizem que vão ver o que se pode arranjar! Então, mas se era hora do jantar e aquilo era um restaurante, não percebemos o porquê de não terem nada… Seguimos atrás da senhora para a divisão ao lado que estava às escuras. Conhecedora do espaço, avança sem problemas, enquanto a tentamos seguir sem chocar com possíveis mesas ou cadeiras que existam no caminho. Finalmente acende-se a luz. A sala era enorme e, tal como o andar de cima, estava um gelo.
Sentamo-nos e perguntam-nos se estamos interessados em ver televisão. Respondemos que sim, até porque eram horas das notícias. Vem um rapaz, puxa a cadeira em frente da Julieta, sobe para ela e liga a TV que era por cima da nossa mesa, saltando de seguida para o chão.
Ainda têm sopa e costeletas para fazer para o jantar. Aceitamos. A Vanessa, vegetariana, pergunta se lhe podem fazer uma omelete. Dizem-lhe que não têm ovos… Depois reconsideram. Têm ovos mas já estão cozidos. São os que sobraram da hora do almoço. Ela aceita. Pergunta também se a sopa leva carne. Dizem que não e então vêm as sopas para a mesa. Mas a sopa devia ser do cozido, já que sabia imenso a chouriço… Será que não consideram o chouriço como sendo carne ou esqueceram-se? Enquanto esperamos, reparamos que os talheres são cada um de sua nação…
De seguida vêm as ditas costeletas. São grandes, mas estão cheias de gordura e nervos… Comemos o que conseguimos... Para a Vanessa veio um ovo com o mesmo acompanhamento de salada, arroz e batata frita da nossa carne. Mas um ovo frio, directamente do frigorífico…
Ninguém quer sobremesa com excepção da Raquel que pede uma mousse de manga. Trazem-lhe a mousse mas nada de colher… Por sorte não comeu sopa e pega na colher para comer. Rimo-nos com tudo isto, pois não acreditamos estar a viver tal situação! Mas aí, trazem-lhe uma colher de sobremesa. O cabo era daqueles de plástico e tinha a ponta roída, como se fosse uma caneta… A Raquel olha incrédula para a colher… Será que no enorme armário que ali têm não existia outra colher melhor que lhe pudessem ter dado?
Respira fundo e diz: “Ao menos não está roída no sitio onde vou pôr a boca!”.
Pagamos e voltamos aos quartos no andar de cima, mas sempre através da rua, pois não há ligação interna.
Sem espaço para conviver, cada um ruma ao seu quarto.
O quarto estava já mais quente: 14ºC. Mas continua frio para quem quer dormir confortável. Mais uma vez, pego no comando do ar condicionado, já que este não estava a emitir ar quente, mas sim ar frio! Na tentativa de descobrir como funciona, desligo-o sem querer e descobrimos que dá musiquinhas diferentes consoante o que se lhe pede! Para ligar, faz um barulhinho crescente. Já para desligar, o barulhinho é decrescente. Nos outros quartos ouvimos os mesmos sons! Rimo-nos porque imaginamos que eles estejam a fazer exactamente o mesmo que nós!
A cama da Raquel rangia que se fartava. Mais tarde lembramo-nos que será devido ao facto do ar condicionado estar por cima dela. As pessoas devem ter sempre este tipo de problema com este ar condicionado e sobem para ela para ver se o ar que sai é quente ou frio!
Não conseguimos que o aparelho faça o que queremos. Tanto dá ar quente como de seguida ar frio sem lhe pedirmos nada! E de certeza que não atingiu a temperatura máxima, já que esta era de 30º C!
Começamos a achar que provavelmente alguém controla o ar condicionado de fora, para os hóspedes não gastarem muita electricidade e que os comandos são apenas fictícios…
Cansadas e sem solução para o problema, pomos os cobertores todos que temos disponíveis na cama e decidimos deitarmo-nos. Com o passar do tempo a temperatura atinge os 16º C! Dado o frio que estava, decido dormir com as collants. Sinto-me idiota em vesti-las para dormir quando durante o dia, na RUA, não está frio para isso…

22 Jan. 2010
Acordo cheia de dores musculares de ter dormido tão encolhida. A temperatura, mesmo após tantas horas com o aquecimento ligado, não ultrapassa os 18º C.
Saimos com as tralhas todas para tomar o pequeno-almoço. O sol ainda está a nascer. Ali perto encontramos um café já aberto onde tomamos o pequeno-almoço e discutimos as “aventuras” dos quartos. O Eduardo diz-nos que o quarto dele era interior, que tinha grades e que dava para o corredor de uma casa em vez de para a rua!
Seguimos para a zona do Rio Sabor. Fico a fazer uma linha perto de Castro Vicente com a Vanessa enquanto a Raquel e o Eduardo vão fazer outra mais perto do Sabor.
Faço o primeiro vão sozinha, já que tenho de ir e regressar ao mesmo local. Enquanto isso a Julieta vai explicando tudo à Vanessa e ao Eduardo.
Quando regresso, começo com a Vanessa. Atravessamos olival e matos até nos depararmos com uma ribeira. A vegetação ripícola é demasiado densa para passar e a água corre com alguma velocidade. Não encontramos local sem vegetação para passar, por isso tentamos enfiar-nos numa espécie de trilho, provavelmente utilizado pela fauna local. Depois de conseguirmos afastar as silvas, descemos agarradas às árvores. A chuva que se faz sentir torna a terra escorregadia. Ajudamo-nos mutuamente e lá conseguimos atravessar a água. Do outro lado, começamos a subir a serra enquanto a chuva vai engrossando.
Numa zona de estevas, encontramos penas. Estão encharcadas e bastante dispersas, provavelmente arrastadas pela chuva. No vão seguinte, uma asa inteira de um passeriforme. Procuramos em redor mas não vemos mais nada. Terá de servir para a identificação quando secar. Chegamos ao topo do monte. Com os binóculos, vemos a carrinha do outro lado, mas o caminho até lá é muito íngreme, pois obriga-nos a descer o vale e voltar a subir do outro lado. Optamos por ir pela povoação. Pelo caminho encontramos a Julieta que vinha a prospectar na nossa direcção. Debaixo de chuva, encaminhamo-nos para a carrinha para ir apanhar o resto da equipa.
Pelos walkie-talkies comunicamos com a Raquel para percebermos onde os apanhar. Subimos uns trilhos de terra batida para localizar os pontos de referência que nos indicam.
A dimensão da encosta não facilita o encontro, mas ao fim de algum tempo lá damos uns com os outros.
Passamos novamente a ponte de Remondes e a Julieta deixa-nos lá em cima, do outro lado da encosta, já que é mais fácil prospectar a descer, do que a subir. Desta vez vou com o Eduardo. A linha percorre uma zona de pastagens e olival em socalcos. Ainda não andamos muito quando encontramos umas penas que recolhemos. Vamos descendo os socalcos feitos com muros de pedra. Alguns estão já em muito mau estado e desabaram com o peso das terras e da água. A parte final é a mais complicada, pois os terrenos estão abandonados e o mato e as silvas tomaram conta dos mesmos, mas conseguimos chegar lá abaixo sãos e salvos!
Vamos ter à carrinha e apanhar a Raquel e a Vanessa. Já é tarde e estamos cheios de fome. Dirigimo-nos a Mogadouro em busca de quem que nos sirva almoço às 3 da tarde!!
Paramos numa rua cheia de restaurantes e residenciais, mas nenhuma delas servia almoço. Contudo, indicam-nos uma pizzaria não muito longe dali, onde acabámos por comer, e muito bem!
Já mais descansados e sem fome, regressamos a casa após uma semana de trabalho.

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