A vida por um fio... Eléctrico!!

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Carla Veríssimo, Raquel Neves e Nuno Luz.

25 Jan. 2010:
Saio de Lisboa com o Nuno Luz no jipe dele em direcção ao Gerês. Desta vez levo o GPS da minha mãe para ser mais fácil dar com os caminhos.
A Julieta, a Raquel Neves e a Andreia Penado (as voluntárias desta vez) saem um pouco mais tarde. Ainda têm de apanhar a Carla no Porto. Cruzamo-nos no Porto e combinamos parar em Braga para jantar. Saímos para o centro, mas a partir daí não existem mais indicações, pelo que vamos andando até que começo a reconhecer alguns locais e paramos perto de um restaurante. Entretanto elas dizem-nos que passaram a saída de Braga e como tal o melhor será jantarmos em Ponte da Barca… Se já foi difícil dar com o centro de Braga, mais complicado é dar com a saída para Ponte da Barca!
Ligo o GPS, mas não há sinal. Encontramos uma indicação pretendida e seguimos, mas no cruzamento seguinte deixam novamente de existir indicações! Seguimos aquela teoria de que se não há indicações deve ser para ir em frente… Vamos passando em pequenas povoações que não constam no mapa, por isso também não nos servem de muito, além de que é de noite e não conhecemos a estrada cheia de curvas. Até que o GPS dá sinal de vida e nos indica estarmos a andar no sentido contrário!! Fazemos inversão de marcha e seguimos no caminho indicado. À nossa frente segue uma carrinha que parece conhecer bem a estrada, dada a velocidade a que circula. Decidimos segui-la e percebemos que se trata de um veterinário e que deve circular em emergência. Já nos imaginamos em casa de alguém com um gatinho ao colo quando a carrinha parar! Depois de muitos quilómetros, lá damos com a estrada para Ponte da Barca. Elas aguardam-nos num restaurante. Jantamos e rimo-nos das aventuras para ali chegar.
Como tenho o GPS, seguimos nós à frente desta vez. O caminho ainda é longo até Castro Laboreiro. Ficamos instalados numa casa rústica que foi remodelada para Turismo. Apesar de altamente equipada com aquecimento central, este está desligado!! Eu e o Nuno ficamos num quarto com colcha azul-bebé acetinada e cheia de folhos cor-de-rosa; elas ficam noutros quartos. Ao menos dentro dos quartos não está tão frio. De qualquer modo, opto por pôr cobertores na cama!

26 Jan. 2010:
Quando acordamos de manhã, está um vento gelado e as temperaturas desceram tanto que há flocos de gelo no chão. Tomamos o pequeno-almoço e preparamo-nos para enfrentar o frio.
Faço a primeira linha com o Nuno. Aproveitamos para tirar fotografias aos cavalos típicos daquela zona, os Garranos, que vivem em estado semi-selvagem. As poças de água estão cobertas por camadas de gelo e, não muito longe, vejo um peto-verde agarrado a uma árvore. Felizmente levamos galochas porque em algumas zonas está tudo alagado. Não encontramos nenhum vestígio, mas quase sou mordida por um cão pastor que ali aparece… Afastamo-nos rapidamente da zona.
Encontramo-nos com o resto da equipa na bomba de gasolina em Lamas de Mouro. Mostram-nos as penas de um pato que tinham recolhido sob a linha, mas que não tinha morrido electrocutado ou por colisão. Tinha sido uma senhora a ir para lá depená-lo!
Almoçamos num restaurante de caçadores, onde um coelho empalhado e vestido com algo que lembrava um caçador nos olhava! Já reconfortados, seguimos para a zona da barragem do Lindoso. A Carla e o Nuno ficam a prospectar uma linha e eu levo o jipe dele para o local onde vão acabar a prospecção, de modo a terem como se encontrar connosco no final.
A linha que íamos fazer era nova e por isso tivemos de a procurar. Quando finalmente damos com ela, fico com a Andreia e a Raquel segue com a Julieta. Ficamos de fazer a linha toda e de nos encontrar em Lindoso.
A linha não é das mais fáceis. Apesar de ser sempre a descer, é algo íngreme, com rochas, buracos escavados pela água e cheia de silvas e tojos, pelo que nos fartamos de picar à medida que avançamos. Além dos picos, deparamo-nos também com vacas de raça mirandesa, algumas das quais sob a linha. Temos muita dificuldade em avaliar a reacção das vacas, uma vez que não se mexem mas seguem-nos fixamente com o olhar. Não conseguimos entender se estão apenas curiosas com a nossa presença ou se acham que estamos a invadir o seu espaço. Dado o tamanho e os cornos afiados, preferimos contorná-las de longe a ter um encontro imediato!
Está cada vez mais escuro e começa a ficar frio novamente. A meio da encosta, ouvimos o Nuno e a Carla a comunicar através do walkie-talkie. Tinham acabado a linha deles e vinham buscar-nos. Conseguimos ver o carro na estrada no outro lado da encosta, mas eles não conseguem ver-nos no meio do mato. Indicamos-lhes como ali chegar o melhor que conseguimos, já que a comunicação tem muitas falhas e as baterias estão fracas. Recorremos aos telemóveis, apesar de também não ajudarem muito pois há pouca rede.
Uma vez que a distância até à povoação é ainda grande, eu e a Andreia optamos por tentar regressar lá acima, ao único local onde há uma estrada. Mas se a descer já não era fácil, a subir é ainda pior! Tentamos seguir por uma espécie de trilhos feitos pelos garranos que por ali andam, mas sempre sem perder a linha de vista para não acabarmos perdidas. A subida é muito custosa e a luz é já muito pouca pelo que ficamos muito contentes quando vemos passar no caminho a parte de cima do carro do Nuno! Mas eles passam e parecem não nos ver, já que o terreno é muito inclinado. Tentamos comunicar com eles de todas as formas possíveis, para que voltem para trás e finalmente conseguimos que nos oiçam! O ar frio dificulta-nos a respiração e estamos já cansadas de tanto subir. O esforço é grande e parece que nunca mais lá chegamos. O carro vai ficando cada vez maior à medida que nos aproximamos, e isso dá-nos outro alento para continuar. Tentamos seguir o caminho mais curto para o carro, mas quando chegamos perto da estrada, o barranco era muito alto e estava cheio de silvas. Era impossível subir por ali... Procuramos então outro local para subir. Mas isso obriga-nos a descer um pouco novamente. Nisto, abro caminho através das giestas que são do meu tamanho e deparo-me com um garrano deitado. A primeira reacção é parar e afastar-me um pouco, com medo de o ter surpreendido, mas quando olho melhor reparo que estava morto. Estava fresco, mas não tinha olhos e tinha um pouco de sangue nos lábios arreganhados. Foi uma visão terrível! Tentando tirar aquela imagem da cabeça, conseguimos subir para o caminho. Estamos cansadas, cheias de sede mas felizmente não tivemos de andar no mato às escuras! Vamos ter com a Julieta e a Raquel e rumamos ao Campo do Gerês, onde vamos dormir esta noite. O GPS indica-nos que o caminho mais rápido é por Espanha. Eu vou com o Nuno e o resto da equipa segue no outro carro. Em Espanha, temos novas aventuras: o GPS mando-nos desviar de estradas aparentemente principais para circular em estradas secundárias e em algumas aldeias as ruas são tão estreitas que tememos não conseguir passar. Entramos em Portugal pela Mata de Albergaria, que temos pena de não ver por ser de noite. As estradas é que não estão em muito boas condições e mais parece que vamos no mar alto! Mas talvez assim a Mata se conserve melhor, já que limita o acesso à maioria dos automóveis. Finalmente chegamos!
Colocam-nos no mesmo edifício, mas separam-nos do Nuno, que fica sozinho na ala masculina… Felizmente descobrimos que a porta que separa as duas alas não se encontra trancada e podemos conversar uns com os outros!
Nas casas de banho a poupança de água é levada a sério! Tão a sério que não é possível lavar as mãos com facilidade, já que quando se pressiona a torneira, esta deita água durante tão pouco tempo que quando pomos as mãos por baixo, a água já acabou! O mesmo se passa com os chuveiros, já que a água corre apenas durante 20 segundos, sendo necessário carregar novamente no botão para voltar a ter água!
Jantamos numa casa de petiscos ali perto. Pedimos sopa para nos aquecer e o senhor aparece-nos com umas malgas enormes, pão, azeitonas e chouriças assadas! Até temos dificuldade em comer tanto!!

27 Jan. 2010:
Ao pequeno-almoço, apesar da escolha, havia um limite por pessoa: ou se levava um prato com duas fatias de fiambre, ou um com duas de queijo. Não era possível levar uma fatia de cada! A senhora, atrás do balcão, certificava-se que não havia erros no que tirávamos. Enquanto punha a 2ª colher de chocolate no leite, receei o que me aconteceria se quisesse uma 3ª, dado o olhar que me fazia! Ao ver que não existiam guardanapos à disposição, tive a “ousadia” de pedir um à senhora, ao que recebo uma pronta resposta: “Os guardanapos estão nos pratos!”, mas visto que não trazia prato de fiambre ou queijo, não tinha direito a guardanapo! Ela ao perceber, lá me foi buscar um guardanapo, mas com cara de má e a muito custo.
De manhã faço uma linha não muito longe dali com o Nuno. A estrada não chega ao apoio com seccionador onde devemos começar, pelo que temos de andar dois apoios para trás antes de começar. Estamos a chegar ao apoio e, em cima dum penedo gigante, surge um cão de médio porte que fica todo contente por nos ver. Está tão feliz que receamos que se atire de cima do penedo, pois está já em posição de quem vai saltar cá para baixo. Felizmente, dá a volta e aparece para se roçar em nós e nos lamber as mãos. Parece que não vê ninguém há muito tempo, provavelmente foi abandonado. Está magro mas enérgico e começa a seguir-nos para toda a parte. Tentamos não lhe dar muita atenção, na esperança que se afaste, pois não o podemos levar connosco. Segue-nos durante toda a linha. Nos locais mais abertos onde há rocha ou solo nu, segue na frente, como quem indica o caminho. Nos locais com tojo e silvas, espera que passemos, como se nós fossemos os responsáveis por encontrar o melhor caminho! Tem dificuldade em atravessar todos os picos e espinhos, ficando com um andar notório de que aquilo pica!, mas nem assim se afasta. Anda de tal modo próximo que chocamos com ele quando pára de repente ou então empurra-nos. Até as ribeiras consegue ultrapassar!
Terminamos a linha e dirigimo-nos ao carro, sempre seguidos do nosso amigo. Questionamo-nos sobre o que fazer. Não o podemos levar connosco, não conhecemos um canil onde o possamos entregar, mas também não o queremos abandonar. Damos-lhe laranja descascada que come com gosto, dada a fome que tinha. Não o conhecendo, também temos receio de o tentar agarrar para o pôr no carro e tentar levar a algum lado. Optamos por entrar no carro e ir andando devagarinho a ver o que faz. Trota atrás do carro com o mesmo ar feliz do que antes. Vem andando atrás de nós até que vemos passar uma carrinha do Parque. Certamente saberão o que fazer nestas situações. O Nuno acelera na tentativa de os apanhar e perguntar. O cão começa a correr atrás do nosso carro. A estrada é cheia de curvas e bem conhecida pelos técnicos do Parque, pelo que rapidamente os perdemos de vista. Paramos na tentativa de encontrar o cão, mas nem jipe do Parque nem cão… Perdemo-los a ambos… Fico triste com a situação… Apesar de não termos abandonado o cão, senti como se tivéssemos traído a sua confiança e depois abandonado…
Cruzamo-nos com um pastor e pouco depois estamos de novo na aldeia. Pode ser que alguém o encontre e fique com ele, agora que está mais perto das casas.
Almoçamos na mesma casa de petiscos do dia anterior.
Ficamos de nos encontrar com o resto da equipa em Bragança. Mais uma vez, o melhor caminho é pelas vias rápidas de Espanha. Receamos o gelo na estrada, que vemos acumula nas bermas das estradas e no topo das montanhas.
Acabamos o dia a jantar no centro comercial! Quem disse que era só andar no mato?!?

28 Jan. 2010:
Saímos cedo. Está muito frio e os vidros dos carros têm uma camada de gelo. Vou com a Raquel buscar água para os descongelar. Quando finalmente temos os vidros descongelados e estamos prontos para sair, a carrinha não pega… Agarro-me ao volante enquanto os restantes empurram. O pior é que a carrinha estava estacionada de frente e não sai à primeira do lugar. Uns empurram à frente e outros atrás para a manobrar. Vou fazendo o que posso lá dentro, já que a direcção está muito pesada pelo facto do carro não estar ligado. Após várias manobras, lá se vira a carrinha em direcção à saída. Dizem-me para engatar a 2ª e para manter a embraiagem em baixo e depois soltar quando me disserem. Nunca tinha pegado um carro de empurrão pelo que acato tudo o que me dizem. Começam os 5 a empurrar e dizem-me para ter atenção ao portão porque é estreito, mas não param de empurrar!! Sem direcção assistida, lá vou tentando virar o volante o mais que posso para acertar com a saída. Dizem-me para levantar o pé da embraiagem e o carro dá um enorme salto mas pega! Fartei-me de saltar lá dentro, e sem cinto de segurança pior.
Lá fora, receio que tenham batido com a cabeça na carrinha tal foi o solavanco. Depois do portão há uma estrada onde não quero entrar à velocidade a que vou. Volto a carregar na embraiagem e no acelerador a ver se não deixo a carrinha ir abaixo, mas como quero parar antes da estrada, tenho de desengatar e carregar no travão. Uma confusão!, mas a carrinha continuou a funcionar!
As primeiras linhas do dia são feitas na zona de Rabal. Fico com o Nuno perto da aldeia de França. Ainda mal começámos a andar na direcção do 1º apoio e aparece-nos um veado que sai do meio do esteval!! O mato por baixo da linha está cortado pelo que o conseguimos observar muito bem. Corre primeiro para um lado e depois regressa para onde veio, desaparecendo encosta abaixo no meio da vegetação.
Começamos a fazer a linha. É uma linha difícil, julgo que a mais difícil que fiz até então, pois é sempre a subir e a descer encostas com mato… A sorte é que o gelo congelou parte das silvas, tornando-se mais fácil caminhar sobre elas. Finalmente chegamos a Rabal, onde almoçamos umas alheiras com o resto da equipa num café ali perto, onde contamos as aventuras que cada um teve na sua linha. A Carla e a Andreia não conseguiram arranjar local para atravessar um afluente do Rio Sabor e tiveram de fazer quilómetros pela estrada até apanharem boleia.
Depois do almoço seguimos para a aldeia de Montesinho. A Raquel vai fazer uma parte da linha com a Julieta e eu vou deixar o Nuno e a Carla do outro lado da aldeia, seguindo depois para o pinhal para fazer a outra parte da linha com a Andreia. Comparada com a linha da manhã, a progressão no terreno é agora muito mais fácil, contudo sentimo-nos constantemente enganadas por pequenos pedaços de madeira que parecem pequenos ossos. O Nuno e a Carla apanharam umas penas estranhas que desconfiamos serem duma qualquer ave de capoeira que alguém por ali depenou.
Desta vez jantamos nas instalações onde pernoitamos. Dizem-nos que o jantar é servido entre as 19h30 e as 20h30, mas não nos dizem que às 19h30 a comida estará no prato à nossa espera. Quando chegamos às 20h, está tudo frio… Nem conseguimos tirar a pele do peixe e as batatas ganharam uma película espessa… Tentamos encontrar na cozinha alguém que nos possa aquecer a comida no micro-ondas, mas em vão... A cozinheira já tinha saído… Por sorte, alguém nos ouviu chamar e deixou-nos aquecer a comida. Peixe aquecido no micro-ondas não é nada bom, mas mal por mal, ao menos agora estava quente…

29 Jan. 2010:
Depois do pequeno-almoço vamos fazer linhas para a zona de Vinhais. Continua frio e o vento não ajuda nada. Prospecto uma linha com o Nuno e elas seguem para outra zona. O troço é um pouco sobe e desce, mas nada comparado com o dia anterior! Primeiro passamos numa zona de matos e depois uma zona agrícola, entretanto deparamo-nos com um ribeiro com uma vala larga e funda, mas que mal se vê, dada a quantidade de vegetação que tem. Centímetro a centímetro vamos progredindo por cima da vegetação meia tombada, mas sempre com receio de que esta não aguente o nosso peso. Dou-me por muito feliz quando finalmente sinto os pés em terra firme do outro lado!
A estrada de saída é junto ao placard publicitário da Feira do Fumeiro. Infelizmente já foi… e voltamos a casa depois de um óptimo lombo de porco assado com castanhas, em Vinhais. Continua frio e tiramos umas fotos para a posteridade. Depois cada um segue o seu caminho para Lisboa.

Dente por dente, mato por mato

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Rita Moreira, Carla Veríssimo e Raquel Neves.

18 Jan. 2010:
Regressamos ao campo. Desta vez, a voluntária que nos acompanha é a Raquel Neves.
Saímos de Lisboa às 8h30. Não precisamos de ir a Leiria buscar a Carla. Ela irá ter connosco mais tarde, pois foi a uma entrevista para integrar a coordenação de outro projecto da SPEA: Avifauna e Linhas Eléctricas dos Açores.
Chove e apanhamos muito nevoeiro pelo caminho.
Depois do almoço fazemos uma linha corrigida com mangas de PVC, na Barragem de Santa Maria de Aguiar. Estas protecções evitam a electrocussão das aves que possam tocar nos fios quando pousam nos postes. A Barragem estava muito cheia, resultado do Inverno chuvoso. Alguns dos cais até se encontram submersos! Começamos por prospectar a linha a 3, para explicar os procedimentos à Raquel. Encontramos umas penugens dispersas e presas nas giestas, mas não conseguimos saber se serão provenientes de alguma ave que colidiu ou se é o que resta da refeição de uma rapina. Ao longe, sobrevoam-nos dois grifos.
A Julieta volta para trás para buscar a carrinha e fica de nos apanhar no fim da linha. O sol de fim de tarde dá-nos outro ânimo, após tantos dias de chuva. Já perto do final encontramos uma pena escura e enorme. Com aquele tamanho talvez seja de cegonha ou de um abutre, mas não encontramos mais nada.
Não muito longe ouvimos algo que parece um tractor. Espantamo-nos por perceber que era a nossa carrinha! Quando lá chegamos, já a Julieta tinha identificado a origem do ruído: havia um parafuso saliente que raspava na ventoinha. O brilho metálico de uma parte do mesmo (enquanto todo o resto estava sujo) denunciava que se tinha desapertado recentemente. Tentamos enroscá-lo à mão, mas a falta de ferramentas dificultou a tarefa. O pouco que conseguimos foi suficiente para já não fazer ruído. De qualquer forma, decidimos que o melhor era procurar uma oficina onde pudessem efectuar a reparação.
O resto da linha era bem mais complicado de prospectar pois eram cerca de 400 m de vinha perpendiculares à linha. Ao princípio ainda entrávamos de 3 em 3 fiadas de vinha, pois era o máximo que conseguíamos ver, mas os corredores eram cada vez mais longos e distantes da linha, pelo que para avançar apenas 2 ou 3 metros tínhamos de andar uns 50 m. Começamos então a passar por baixo dos arames de suporte. Isto dificulta a prospecção pois estamos constantemente a baixarmo-nos para passar por baixo e mal nos levantamos temos praticamente que nos baixar novamente para passar no seguinte. É melhor do que ir ao ginásio! A vontade de gatinhar por ali fora não deixa de nos passar pela cabeça. Pena estar tudo enlameado. Com as pernas doridas, finalmente encontramo-nos com a Julieta e regressamos a Figueira de Castelo Rodrigo em busca duma oficina. O senhor diz-nos que se trata do parafuso que segura o alternador, que perdeu a porca. Encontrada uma que sirva, é novamente atarrachado. Já com a carrinha sem ruídos, vamos para a residencial.
Jantamos ali perto. Para sobremesa servem-nos um doce da casa mas em vez de leite condensado com bolacha e natas, tinha também um pudim flan no fundo! Nunca tal tínhamos visto!
Depois do jantar a Julieta foi à Guarda buscar a Carla.

19 Jan. 2010:
Saímos cedo como normalmente. A Carla fica a prospectar uma linha perto da estrada e eu vou com a Raquel ver uma linha em Almofala.
Começamos perto de um monumento chamado Cruz do Roquilho, uma cruz em pedra que assinala uma antiga via de peregrinação a Santiago de Compostela. No meio da vegetação, a Raquel quase pisa uma codorniz escondida nas ervas! Não andamos muito quando encontramos, no meio de um silvado, as penas e ossos de uma rapina. Estão muito deteriorados para perceber do que se trata… Debaixo de aguaceiros vamos caminhando até entrar uma zona queimada e onde observamos algo que nunca tínhamos visto: amoras carbonizadas! Estão sob as silvas, pretas e rijas! Deixam na mão e no papel os típicos riscos de carvão. Sempre achei que iriam arder e não ficar com aquele aspecto! Um pouco mais à frente, uma asa de passeriforme. Procuramos em redor mas apenas resta aquele vestígio. Apesar de molhada e incompleta, lembra a de um tentilhão. Chegamos à carrinha e regressamos para apanhar a Carla que tinha também terminado a sua prospecção.
Depois, juntou-se a nós a Julieta que tinha feito uma 3ª linha na direcção de Escarigo.
Após o almoço trocamos equipas. A Raquel e a Julieta fazem a linha de Vermiosa e eu vou fazer a linha de Escalhão-Mata de Lobos com a Carla.
A Carla tinha ido tentar arrancar um dente, mas em vão, como tal, estava a tomar medicamentos para evitar uma infecção e calmantes para uma 2ª tentativa. Estava assim muito sonolenta, pelo que assumi o volante da carrinha e ela o co-piloto, pois já ali tinha estado e reconheceria os caminhos.
Contudo temos dúvidas para sair de Vermiosa. Dentro das povoações a estrada deixa de ser alcatroada e passa a ser em paralelepípedos, pelo que a noção de “estrada principal” se perde. Com a ajuda de um morador, lá encontramos o caminho no sentido pretendido. Como não conheço o caminho e não há indicações na estrada, no primeiro entroncamento, pergunto à Carla se devo seguir em frente. Sim, diz ela, e sigo. Entramos noutra povoação. Sigo pelo que me parece ser o caminho principal, mas dou comigo numa rua sem saída. Pergunto a um senhor se o caminho para Mata de Lobos era por ali. Diz-me que aquele caminho vai lá ter, mas para não ir por ali porque o caminho está muito mau. Que é melhor ir pelo caminho alcatroado. Um rapaz mais novo aproxima-se de nós e diz: sigam-me que eu indico-lhes a estrada para lá. Tenho de fazer inversão de marcha e quando reparo o carro e o rapaz tinham desaparecido! Começo a andar novamente pela aldeia na esperança de o voltar a ver. Paro à entrada de cada rua para espreitar, não vá ele estar à nossa espera. Finalmente encontramo-lo e indica-nos o tal caminho.
Mais à frente, noutro entroncamento, pergunto à Carla: Achas que é pela direita? Sim, diz ela. E a mesma situação se passa de cada vez que passo num entroncamento sem indicações. Começo a desconfiar, pois inicialmente recebia sempre sim como resposta e a partir de certa altura deixo de receber resposta alguma. Quando olho para o lado, a Carla dormia profundamente, com o mapa caído a seus pés e o GPS no colo. Ora bolas! Ela estava a responder inconscientemente! Então e agora, onde estaríamos? Parei a carrinha, apanho o mapa do chão e começo a olhá-lo na esperança de descobrir onde estava, mas havia demasiados entroncamentos… Estava completamente perdida! A carrinha ainda tinha gasóleo, por isso só me restava ir andando até encontrar a próxima povoação e descobrir onde estava no mapa. Pelo caminho encontro um pastor com o seu rebanho mesmo no meio da estrada. Ele bem as tentava afastar, mas o rebanho era tão grande e as ovelhas deslocavam-se como bem entendiam. Ia andando nas abertas que o pastor criava e dei por mim rodeada de ovelhas. Parei. Agora é que não conseguia mesmo sair dali!!
Finalmente as ovelhas seguiram por um caminho de terra batida e pude continuar a viagem. Olhei para o lado. A Carla continuava a dormir…
Outra povoação. Infelizmente não tinha placa à entrada e não havia gente a quem perguntar. Começo a ver linhas de média tensão e tento aproximar-me para ver a numeração. Dou comigo no cemitério… também não era por ali… Volto atrás, sem conseguir perceber onde estava…
De repente, uma voz a meu lado! A Carla tinha finalmente acordado! Andamos mais um pouco e ela diz que lhe parece reconhecer a zona. Entramos num caminho de terra batida, ou melhor, de lama, para tentar chegar aos apoios que vemos adiante, para depois descobrir que afinal não eram aqueles…
Retomamos a estrada de alcatrão. Se a linha vai de Mata de Lobos para Escalhão, talvez em Escalhão seja mais fácil dar com ela. Seguimos viagem para darmos connosco em Figueira de Castelo Rodrigo!, Outra vez!!!
Conclusão um percurso que seria Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos, para depois encontrarmos aí a estrada de Mata de Lobos para Escalhão, e prospectarmos a linha, tornou-se num Figueira de Castelo Rodrigo – Mata de Lobos – voltas e voltas em Mata de Lobos – Estrada Mata de Lobos – Figueira de Castelo Rodrigo – Figueira - Escalhão – Escalhão - Mata de Lobos, para finalmente ficar na estrada que a Carla “procurava”!
A linha está corrigida com antipoisos e salva-pássaros. Como perdemos quase 2 horas nestas voltas, decidimos que o melhor seria cada uma fazer um lado da linha em sentidos opostos. Dado que já não temos muito tempo de luz, optamos por deixar a carrinha a meio da linha. A Carla iria com a carrinha até lá e fazia a prospecção na minha direcção. Eu, quando chegasse à carrinha, pegava nela e vinha buscar a Carla ao início.
Onde fico, não encontro acesso ao primeiro apoio. Tenho de ir dar uma grande volta para conseguir lá chegar. Aviso a Carla que já prospectei aqueles 3 apoios e 2 vãos, já que tive de ir e voltar para poder entrar e sair pelo mesmo sítio. Estava numa zona de pastagens onde a erva era já alta. Quase de debaixo dos meus pés, sai a correr uma lebre. Corre, corre e salta o muro de pedras que delimita o lameiro como se fosse um pequeno obstáculo no seu caminho. Atravessa a estrada e faz o mesmo do outro lado, onde deixo de a ver. O muro tinha quase a altura da minha cintura, pelo que desejei ser lebre e saltá-lo com a mesma facilidade quando lá cheguei.
A Carla diz-me pelo walkie-talkie que afinal não vai prospectar o lado da linha dela pois tem de ir buscar a Raquel e a Julieta que entretanto acabaram a linha delas. Sigo então sozinha, a fazer zig-zags de modo a conseguir prospectar ambos os lados da linha.
Começa a ficar frio e escuro… Ao longe, com os binóculos, vejo aproximar-se a carrinha. A Carla estaciona-a no local combinado inicialmente e começa a prospecção na minha direcção. Deixou a Julieta e a Raquel na ponta da linha e elas vão prospectá-la na nossa direcção enquanto houver luz. Quando nos encontramos, retomamos à carrinha. Está já escuro e por pouco não pisamos um sapo-corredor.
Jantamos perto da residencial. À noite, tentamos descobrir qual é a espécie de ave que a Julieta e a Raquel apanharam. Mas não foi fácil. É daqueles grupos mais complicados, entre petinhas, lavercas e cotovias. As cotovias ficaram logo de parte, pois não têm as penas exteriores da cauda branca. Depois de muita olhar para os guias, concluímos que é uma laverca (Alauda arvensis), já que o dorso tem as penas quase individualizadas, ao contrário do que acontece nas petinhas, com o dorso mais uniforme.

20 Jan. 2010:
Após o pequeno almoço, dividimos uma linha de Escalhão em duas partes. Prospecto com a Carla e a Raquel vai com a Julieta. Depois de pôr as galochas, começamos a prospectar.
Esquecemo-nos de trazer a 2ª chave da carrinha e tanto a Julieta como nós temos de voltar atrás para a apanhar. A nossa linha começa em zona de vinha, perto de pombais tradicionais. 
Felizmente a parte de vinha é curta. É cedo e com o sol as aves vão aparecendo. Vamos observando o chão e com os binóculos várias aves: garças, tentilhões, chapins, piscos-de-peito-ruivo, cotovias…
Ao passarmos uns muros, deparamo-nos com um frigorífico ali deitado no meio do nada. É incrível o tipo de lixo que se encontra por ai espalhado!
Mais à frente, penas brancas. Provavelmente de alguma garça que colidiu com a linha e foi predada por um carnívoro.
Procuramos em redor por mais vestígios, mas nada. Recolhidas as penas, continuamos. Rapidamente chegamos à carrinha e vamos buscar o resto da equipa. Como ainda é cedo, fazemos outra linha antes do almoço. A linha desce na direcção do Rio Águeda. Começo cá em cima com a Julieta, e a Carla leva a carrinha mais para baixo. 
Vamos prospectando e observamos um grifo a voar muito perto de nós. Observo-o com os binóculos e passo-os à Julieta para ver também. Já sem binóculos, olho em redor e vejo uma pena grande. Apanho-a, aproximo-me do apoio para ver o número. Já perto deste, só me lembro de ver pelo canto do olho algo na direcção do meu joelho, com uma boca de cor clara, aberta. Instintivamente, dou um salto para trás e uma cobra cai-me aos pés! Assim que chega ao chão, esconde-se por entre as pedras que ali existiam.
A Julieta, ao ver-me saltar, vem na minha direcção para perceber o que aconteceu. Talvez fosse uma cobra-de-ferradura, já que era grande, escura e parecia ter uma espécie de losangos nas costas.
Deveria estar a apanhar sol em cima das pedras e provavelmente até terá dado sinal de que ali estava, mas eu estava a olhar para cima para o grifo e nem me apercebi de nada. Como se sentiu ameaçada, esta tentativa de mordedura foi para se defender, até porque esta espécie não é venenosa nem possui sequer dentes inoculadores de veneno (diz-se aglifa), não constituindo, por isso, uma ameaça para o Homem.
Nisto, olho para trás e vejo uma carcaça grande de uma ave. Estava mesmo ao meu lado, mas com a história da cobra nem me apercebi à primeira. Ainda estava bastante inteira e percebemos que é um milhafre-real. Juntamos todos os indícios, tiramos fotos e seguimos caminho.
Almoçamos feijoada e febras em Escalhão. Pela primeira vez em meses está sol e temos calor! Já de barriga cheia, seguimos para a última linha do dia. É uma linha que já foi corrigida com mangas e espirais. Fico com a Carla no olival e elas seguem. A primeira parte faz-se relativamente bem. Ao contrário do esperado, já que a linha está corrigida, encontramos penas de uma rapina junto a um apoio e que tinha sido predada por um mamífero. As penas estão muito espalhadas e algumas até foram arrastadas para dentro de buracos existentes nos muros que rodeiam as oliveiras. Mais à frente o percurso complica-se. Continua a ser olival mas desta vez em socalcos e a subir. Os socalcos são demasiado altos para trepar, obrigando-nos a dar grandes voltas para conseguir subir para o patamar superior e para prospectar apenas mais 15 ou 20 m… Cansadas de andar para trás e para diante, tentamos trepar um socalco mais baixo e com alguns buracos no muro. A Carla sobe primeiro, ao fim de algumas tentativas, e depois ajuda-me. Dá-me a mão na parte final, mas um dos meus pés escorrega no musgo, levando-a a desequilibrar-se também. Com a sensação de que ia cair de costas completamente desamparada (e provavelmente levar com a Carla em cima!), agarro-me ao chão de tal forma que ficaram as marcas na terra. Mas não cai! Desistimos de trepar socalcos porque se revelou muito perigoso. Mais à frente, uma zona de vinha, mas felizmente é curta.
Numa zona mais alagada, encontramos penas da zona do peito de um passeriforme, pelo que a identificação não é possível na altura.
Chegamos à carrinha, após passar zonas com muito lixo.

Já é quase de noite e seguimos a linha para apanhar a Julieta e a Raquel, mas não é tão fácil como parece, pois existem diversos caminhos de terra por ali. Já todas juntas, questionamo-nos qual será o melhor caminho, para sair dali, sem atolarmos a carrinha. Encontramos um jipe que parece conhecer bem a zona e decidimos segui-lo. Apesar das derrapagens na lama, regressamos à estrada que queríamos!
Regressamos à residencial para tomar um merecido banho e tirar a lama de cima.

21 Jan. 2010:
Encontramo-nos mais uma vez na sala de pequeno-almoço. A Carla aproveita para arranjar um farnel já que vai regressar a Leiria, para arrancar finalmente o dente. Tem andado tão sedada que até se troca toda e pergunta “Eu já tomei os documentos?”
Vai fazer vários transbordos, em vários meios de transporte. Nós tememos que adormeça algures e não consiga chegar ao destino… Deixamo-la na paragem de autocarro em Figueira de Castelo Rodrigo, juntamente com uma velhota. Ainda nem invertemos a carrinha e já são grandes amigas! Isto de viver em terras mais pequenas é assim…
Começamos por fazer uma linha em Freixeda do Torrão. O terreno é de fácil progressão, apesar de termos a impressão de que nos encontramos dentro de uma pastagem de gado bovino… Atentas vamos avançando. Há zonas bastante alagadas, mas quando saímos do carro não nos apercebemos e deixámos lá as galochas.
Algumas zonas têm plantações de árvore em corredores, sendo estes “altos” os únicos locais onde as botas não ficam submersas. Contudo, as árvores “empurram-nos” quando tentamos passar! Os ramos avançam à nossa frente e empurram-nos na direcção da água, algo que queremos de todo evitar. A Raquel diverte-se a filmar-me nestas aventuras.
Mais à frente encontra as penas de um passeriforme. Estão molhadas e não conseguimos perceber o que são. Recolhemos e continuamos até encontrar a Julieta. Seguimos as 3 a prospectar o lado que falta até à carrinha.
Ainda antes de almoço fazemos uma linha em Almendra, onde recolhemos penas de uma pega-azul e alguns ossos mais à frente. Encontramos um pastor a quem perguntamos se costuma ver aves mortas por ali. Como passam muitas vezes no mesmo sítio e passam horas no campo, são sempre bons conhecedores destas situações. Diz-nos que nunca viu aves mortas ali, apenas um melro-preto morto perto do café onde costuma ir.
Ao longe sobrevoa um milhafre-real, e mais perto vemos felosas-do-mato e um picanço-real.
À tarde fazemos uma linha em Malpartida. Agora levamos as galochas! Não nos enganam outra vez!
Deparamo-nos com um rebanho de ovelhas a pastar. Nunca pensei que fossem tão assustadiças! Mal nos aproximamos começam a correr para longe. Falamos com o pastor, mas não nos ajuda em nada… Mais à frente, campos lavrados! Mais uma vez, enterramo-nos até ao meio da perna e é muito difícil progredir no terreno, pois faz uma espécie de sucção na bota e temos de ter cuidado para não ficarmos descalças! A Raquel filma-me novamente! A Julieta comunica connosco. Paro para falar com ela e perceber onde ficou estacionada a carrinha, mas temo não conseguir lá chegar, pois sinto-me a afundar lentamente. Com esforço lá me desenterro. Pelo caminho vemos uns amontoados de lagartas peludas. Lembram a processionária-do-pinheiro, embora sejam totalmente escuras. Questionamo-nos se estarão relacionadas com os carvalhos.
Entramos numa zona com pedreiras. Parecem desactivadas mas dão um aspecto sinistro à paisagem castanha. Encontramos penas e ossos que não somos capazes de identificar. Ajudamos a prospectar uma parte da linha da Julieta, mas uma vez que está a ficar escuro, decidimos voltar à carrinha e ir buscá-la. Mas a tarefa não é assim tão óbvia. Damos com muitos caminhos que terminam em áreas de gado com portões que nos obrigam a voltar atrás, ou então em pedreiras… Com receio de nos perdermos da linha, regressamos para perto dela onde, entretanto, a Julieta chega também.
Cansadas, regressamos a Figueira para apanhar os voluntários para o dia seguinte: o Eduardo Realinho e a Vanessa Mata. No caminho temos ainda a sorte de ver uma fuinha a atravessar a estrada ao fundo!
A viagem até Mogadouro é longa, em estradas cheias de curvas e estamos cansadas do dia de trabalho. Só nos apetece um bom banho quente e jantar. Chegadas à residencial, deparamo-nos com uma enorme escadaria pela qual temos de levar as malas. Fico com a Raquel num dos quartos, o Eduardo noutro e a Vanessa e a Julieta no terceiro. Mas ainda nem estamos instalados quando temos de trocar! A senhora diz-nos que o quarto individual (apesar de todos terem 2 camas!) era onde eu e a Raquel estávamos! Trocamos com o Eduardo que estava no quarto “duplo”. O quarto estava um gelo, apesar de ter ar-condicionado. Quando pegamos no comando para aumentar a temperatura, a senhora retira-o das nossas mãos e diz que já preparou tudo e que os quartos já vão começar a aquecer. Diz-nos para não mexermos nos comandos nem no ar-condicionado porque podemos estragá-los!
Assim que sai, volto ao comando. Indica que estão 10º C dentro do quarto! Tão frio como lá fora! Aumento a temperatura e dirijo-me à janela para fechar as persianas, que descubro serem inexistentes! Mas ao menos vejo a razão para tanto frio: a janela estava aberta! Estou a fechá-la quando a Raquel me pergunta se já olhei bem para a casa-de-banho. Era minúscula e tinha o lavatório mais pequeno que alguma vez tinha visto! Parecia aqueles da creche! E não nos conseguíamos sentar na sanita como deve de ser, só de lado, já que a divisão era tão estreita que o lavatório estava instalado em frente à sanita. Era impossível que alguém mais forte ali coubesse! Mas as maravilhas não acabavam aqui! Por cima do dito lavatório havia um pequeno armário com espelho. Mas estava pendurado tão alto que a única coisa que se via era a nossa testa!
O poliban era nas mesmas proporções do resto: quadrado com cerca de 50 cm de lado e com uma cortina. Ainda me questiono para que servia o suporte de toalhas do bidé se não existia nenhum…!
As toalhas eram cada uma de sua nação e pareciam feitas de papel. Eram tão finas que receei que se fossem rasgar quando molhadas!
O quarto tinha ainda um armário sem maçanetas e uma das portas não abria por estar trancada, e não tinha chave, assim tivemos de pôr tudo apenas de um lado e depois empurrar para ter mais espaço!
Com a esperança de que o quarto aquecesse entretanto, fomos jantar ao restaurante do andar de baixo. A entrada era por uma espécie de bar/tasca com uma enorme mesa de bilhar a imitar mármore. Nunca tínhamos visto algo assim.
Quando perguntamos se ainda servem jantar, olham-nos com o ar mais estranho que conseguem… Dizem que vão ver o que se pode arranjar! Então, mas se era hora do jantar e aquilo era um restaurante, não percebemos o porquê de não terem nada… Seguimos atrás da senhora para a divisão ao lado que estava às escuras. Conhecedora do espaço, avança sem problemas, enquanto a tentamos seguir sem chocar com possíveis mesas ou cadeiras que existam no caminho. Finalmente acende-se a luz. A sala era enorme e, tal como o andar de cima, estava um gelo.
Sentamo-nos e perguntam-nos se estamos interessados em ver televisão. Respondemos que sim, até porque eram horas das notícias. Vem um rapaz, puxa a cadeira em frente da Julieta, sobe para ela e liga a TV que era por cima da nossa mesa, saltando de seguida para o chão.
Ainda têm sopa e costeletas para fazer para o jantar. Aceitamos. A Vanessa, vegetariana, pergunta se lhe podem fazer uma omelete. Dizem-lhe que não têm ovos… Depois reconsideram. Têm ovos mas já estão cozidos. São os que sobraram da hora do almoço. Ela aceita. Pergunta também se a sopa leva carne. Dizem que não e então vêm as sopas para a mesa. Mas a sopa devia ser do cozido, já que sabia imenso a chouriço… Será que não consideram o chouriço como sendo carne ou esqueceram-se? Enquanto esperamos, reparamos que os talheres são cada um de sua nação…
De seguida vêm as ditas costeletas. São grandes, mas estão cheias de gordura e nervos… Comemos o que conseguimos... Para a Vanessa veio um ovo com o mesmo acompanhamento de salada, arroz e batata frita da nossa carne. Mas um ovo frio, directamente do frigorífico…
Ninguém quer sobremesa com excepção da Raquel que pede uma mousse de manga. Trazem-lhe a mousse mas nada de colher… Por sorte não comeu sopa e pega na colher para comer. Rimo-nos com tudo isto, pois não acreditamos estar a viver tal situação! Mas aí, trazem-lhe uma colher de sobremesa. O cabo era daqueles de plástico e tinha a ponta roída, como se fosse uma caneta… A Raquel olha incrédula para a colher… Será que no enorme armário que ali têm não existia outra colher melhor que lhe pudessem ter dado?
Respira fundo e diz: “Ao menos não está roída no sitio onde vou pôr a boca!”.
Pagamos e voltamos aos quartos no andar de cima, mas sempre através da rua, pois não há ligação interna.
Sem espaço para conviver, cada um ruma ao seu quarto.
O quarto estava já mais quente: 14ºC. Mas continua frio para quem quer dormir confortável. Mais uma vez, pego no comando do ar condicionado, já que este não estava a emitir ar quente, mas sim ar frio! Na tentativa de descobrir como funciona, desligo-o sem querer e descobrimos que dá musiquinhas diferentes consoante o que se lhe pede! Para ligar, faz um barulhinho crescente. Já para desligar, o barulhinho é decrescente. Nos outros quartos ouvimos os mesmos sons! Rimo-nos porque imaginamos que eles estejam a fazer exactamente o mesmo que nós!
A cama da Raquel rangia que se fartava. Mais tarde lembramo-nos que será devido ao facto do ar condicionado estar por cima dela. As pessoas devem ter sempre este tipo de problema com este ar condicionado e sobem para ela para ver se o ar que sai é quente ou frio!
Não conseguimos que o aparelho faça o que queremos. Tanto dá ar quente como de seguida ar frio sem lhe pedirmos nada! E de certeza que não atingiu a temperatura máxima, já que esta era de 30º C!
Começamos a achar que provavelmente alguém controla o ar condicionado de fora, para os hóspedes não gastarem muita electricidade e que os comandos são apenas fictícios…
Cansadas e sem solução para o problema, pomos os cobertores todos que temos disponíveis na cama e decidimos deitarmo-nos. Com o passar do tempo a temperatura atinge os 16º C! Dado o frio que estava, decido dormir com as collants. Sinto-me idiota em vesti-las para dormir quando durante o dia, na RUA, não está frio para isso…

22 Jan. 2010
Acordo cheia de dores musculares de ter dormido tão encolhida. A temperatura, mesmo após tantas horas com o aquecimento ligado, não ultrapassa os 18º C.
Saimos com as tralhas todas para tomar o pequeno-almoço. O sol ainda está a nascer. Ali perto encontramos um café já aberto onde tomamos o pequeno-almoço e discutimos as “aventuras” dos quartos. O Eduardo diz-nos que o quarto dele era interior, que tinha grades e que dava para o corredor de uma casa em vez de para a rua!
Seguimos para a zona do Rio Sabor. Fico a fazer uma linha perto de Castro Vicente com a Vanessa enquanto a Raquel e o Eduardo vão fazer outra mais perto do Sabor.
Faço o primeiro vão sozinha, já que tenho de ir e regressar ao mesmo local. Enquanto isso a Julieta vai explicando tudo à Vanessa e ao Eduardo.
Quando regresso, começo com a Vanessa. Atravessamos olival e matos até nos depararmos com uma ribeira. A vegetação ripícola é demasiado densa para passar e a água corre com alguma velocidade. Não encontramos local sem vegetação para passar, por isso tentamos enfiar-nos numa espécie de trilho, provavelmente utilizado pela fauna local. Depois de conseguirmos afastar as silvas, descemos agarradas às árvores. A chuva que se faz sentir torna a terra escorregadia. Ajudamo-nos mutuamente e lá conseguimos atravessar a água. Do outro lado, começamos a subir a serra enquanto a chuva vai engrossando.
Numa zona de estevas, encontramos penas. Estão encharcadas e bastante dispersas, provavelmente arrastadas pela chuva. No vão seguinte, uma asa inteira de um passeriforme. Procuramos em redor mas não vemos mais nada. Terá de servir para a identificação quando secar. Chegamos ao topo do monte. Com os binóculos, vemos a carrinha do outro lado, mas o caminho até lá é muito íngreme, pois obriga-nos a descer o vale e voltar a subir do outro lado. Optamos por ir pela povoação. Pelo caminho encontramos a Julieta que vinha a prospectar na nossa direcção. Debaixo de chuva, encaminhamo-nos para a carrinha para ir apanhar o resto da equipa.
Pelos walkie-talkies comunicamos com a Raquel para percebermos onde os apanhar. Subimos uns trilhos de terra batida para localizar os pontos de referência que nos indicam.
A dimensão da encosta não facilita o encontro, mas ao fim de algum tempo lá damos uns com os outros.
Passamos novamente a ponte de Remondes e a Julieta deixa-nos lá em cima, do outro lado da encosta, já que é mais fácil prospectar a descer, do que a subir. Desta vez vou com o Eduardo. A linha percorre uma zona de pastagens e olival em socalcos. Ainda não andamos muito quando encontramos umas penas que recolhemos. Vamos descendo os socalcos feitos com muros de pedra. Alguns estão já em muito mau estado e desabaram com o peso das terras e da água. A parte final é a mais complicada, pois os terrenos estão abandonados e o mato e as silvas tomaram conta dos mesmos, mas conseguimos chegar lá abaixo sãos e salvos!
Vamos ter à carrinha e apanhar a Raquel e a Vanessa. Já é tarde e estamos cheios de fome. Dirigimo-nos a Mogadouro em busca de quem que nos sirva almoço às 3 da tarde!!
Paramos numa rua cheia de restaurantes e residenciais, mas nenhuma delas servia almoço. Contudo, indicam-nos uma pizzaria não muito longe dali, onde acabámos por comer, e muito bem!
Já mais descansados e sem fome, regressamos a casa após uma semana de trabalho.