A vida por um fio... Eléctrico!!

Narrado por Rita Moreira, com os contributos de Carla Veríssimo. Fotos de Carla Veríssimo, Raquel Neves e Nuno Luz.

25 Jan. 2010:
Saio de Lisboa com o Nuno Luz no jipe dele em direcção ao Gerês. Desta vez levo o GPS da minha mãe para ser mais fácil dar com os caminhos.
A Julieta, a Raquel Neves e a Andreia Penado (as voluntárias desta vez) saem um pouco mais tarde. Ainda têm de apanhar a Carla no Porto. Cruzamo-nos no Porto e combinamos parar em Braga para jantar. Saímos para o centro, mas a partir daí não existem mais indicações, pelo que vamos andando até que começo a reconhecer alguns locais e paramos perto de um restaurante. Entretanto elas dizem-nos que passaram a saída de Braga e como tal o melhor será jantarmos em Ponte da Barca… Se já foi difícil dar com o centro de Braga, mais complicado é dar com a saída para Ponte da Barca!
Ligo o GPS, mas não há sinal. Encontramos uma indicação pretendida e seguimos, mas no cruzamento seguinte deixam novamente de existir indicações! Seguimos aquela teoria de que se não há indicações deve ser para ir em frente… Vamos passando em pequenas povoações que não constam no mapa, por isso também não nos servem de muito, além de que é de noite e não conhecemos a estrada cheia de curvas. Até que o GPS dá sinal de vida e nos indica estarmos a andar no sentido contrário!! Fazemos inversão de marcha e seguimos no caminho indicado. À nossa frente segue uma carrinha que parece conhecer bem a estrada, dada a velocidade a que circula. Decidimos segui-la e percebemos que se trata de um veterinário e que deve circular em emergência. Já nos imaginamos em casa de alguém com um gatinho ao colo quando a carrinha parar! Depois de muitos quilómetros, lá damos com a estrada para Ponte da Barca. Elas aguardam-nos num restaurante. Jantamos e rimo-nos das aventuras para ali chegar.
Como tenho o GPS, seguimos nós à frente desta vez. O caminho ainda é longo até Castro Laboreiro. Ficamos instalados numa casa rústica que foi remodelada para Turismo. Apesar de altamente equipada com aquecimento central, este está desligado!! Eu e o Nuno ficamos num quarto com colcha azul-bebé acetinada e cheia de folhos cor-de-rosa; elas ficam noutros quartos. Ao menos dentro dos quartos não está tão frio. De qualquer modo, opto por pôr cobertores na cama!

26 Jan. 2010:
Quando acordamos de manhã, está um vento gelado e as temperaturas desceram tanto que há flocos de gelo no chão. Tomamos o pequeno-almoço e preparamo-nos para enfrentar o frio.
Faço a primeira linha com o Nuno. Aproveitamos para tirar fotografias aos cavalos típicos daquela zona, os Garranos, que vivem em estado semi-selvagem. As poças de água estão cobertas por camadas de gelo e, não muito longe, vejo um peto-verde agarrado a uma árvore. Felizmente levamos galochas porque em algumas zonas está tudo alagado. Não encontramos nenhum vestígio, mas quase sou mordida por um cão pastor que ali aparece… Afastamo-nos rapidamente da zona.
Encontramo-nos com o resto da equipa na bomba de gasolina em Lamas de Mouro. Mostram-nos as penas de um pato que tinham recolhido sob a linha, mas que não tinha morrido electrocutado ou por colisão. Tinha sido uma senhora a ir para lá depená-lo!
Almoçamos num restaurante de caçadores, onde um coelho empalhado e vestido com algo que lembrava um caçador nos olhava! Já reconfortados, seguimos para a zona da barragem do Lindoso. A Carla e o Nuno ficam a prospectar uma linha e eu levo o jipe dele para o local onde vão acabar a prospecção, de modo a terem como se encontrar connosco no final.
A linha que íamos fazer era nova e por isso tivemos de a procurar. Quando finalmente damos com ela, fico com a Andreia e a Raquel segue com a Julieta. Ficamos de fazer a linha toda e de nos encontrar em Lindoso.
A linha não é das mais fáceis. Apesar de ser sempre a descer, é algo íngreme, com rochas, buracos escavados pela água e cheia de silvas e tojos, pelo que nos fartamos de picar à medida que avançamos. Além dos picos, deparamo-nos também com vacas de raça mirandesa, algumas das quais sob a linha. Temos muita dificuldade em avaliar a reacção das vacas, uma vez que não se mexem mas seguem-nos fixamente com o olhar. Não conseguimos entender se estão apenas curiosas com a nossa presença ou se acham que estamos a invadir o seu espaço. Dado o tamanho e os cornos afiados, preferimos contorná-las de longe a ter um encontro imediato!
Está cada vez mais escuro e começa a ficar frio novamente. A meio da encosta, ouvimos o Nuno e a Carla a comunicar através do walkie-talkie. Tinham acabado a linha deles e vinham buscar-nos. Conseguimos ver o carro na estrada no outro lado da encosta, mas eles não conseguem ver-nos no meio do mato. Indicamos-lhes como ali chegar o melhor que conseguimos, já que a comunicação tem muitas falhas e as baterias estão fracas. Recorremos aos telemóveis, apesar de também não ajudarem muito pois há pouca rede.
Uma vez que a distância até à povoação é ainda grande, eu e a Andreia optamos por tentar regressar lá acima, ao único local onde há uma estrada. Mas se a descer já não era fácil, a subir é ainda pior! Tentamos seguir por uma espécie de trilhos feitos pelos garranos que por ali andam, mas sempre sem perder a linha de vista para não acabarmos perdidas. A subida é muito custosa e a luz é já muito pouca pelo que ficamos muito contentes quando vemos passar no caminho a parte de cima do carro do Nuno! Mas eles passam e parecem não nos ver, já que o terreno é muito inclinado. Tentamos comunicar com eles de todas as formas possíveis, para que voltem para trás e finalmente conseguimos que nos oiçam! O ar frio dificulta-nos a respiração e estamos já cansadas de tanto subir. O esforço é grande e parece que nunca mais lá chegamos. O carro vai ficando cada vez maior à medida que nos aproximamos, e isso dá-nos outro alento para continuar. Tentamos seguir o caminho mais curto para o carro, mas quando chegamos perto da estrada, o barranco era muito alto e estava cheio de silvas. Era impossível subir por ali... Procuramos então outro local para subir. Mas isso obriga-nos a descer um pouco novamente. Nisto, abro caminho através das giestas que são do meu tamanho e deparo-me com um garrano deitado. A primeira reacção é parar e afastar-me um pouco, com medo de o ter surpreendido, mas quando olho melhor reparo que estava morto. Estava fresco, mas não tinha olhos e tinha um pouco de sangue nos lábios arreganhados. Foi uma visão terrível! Tentando tirar aquela imagem da cabeça, conseguimos subir para o caminho. Estamos cansadas, cheias de sede mas felizmente não tivemos de andar no mato às escuras! Vamos ter com a Julieta e a Raquel e rumamos ao Campo do Gerês, onde vamos dormir esta noite. O GPS indica-nos que o caminho mais rápido é por Espanha. Eu vou com o Nuno e o resto da equipa segue no outro carro. Em Espanha, temos novas aventuras: o GPS mando-nos desviar de estradas aparentemente principais para circular em estradas secundárias e em algumas aldeias as ruas são tão estreitas que tememos não conseguir passar. Entramos em Portugal pela Mata de Albergaria, que temos pena de não ver por ser de noite. As estradas é que não estão em muito boas condições e mais parece que vamos no mar alto! Mas talvez assim a Mata se conserve melhor, já que limita o acesso à maioria dos automóveis. Finalmente chegamos!
Colocam-nos no mesmo edifício, mas separam-nos do Nuno, que fica sozinho na ala masculina… Felizmente descobrimos que a porta que separa as duas alas não se encontra trancada e podemos conversar uns com os outros!
Nas casas de banho a poupança de água é levada a sério! Tão a sério que não é possível lavar as mãos com facilidade, já que quando se pressiona a torneira, esta deita água durante tão pouco tempo que quando pomos as mãos por baixo, a água já acabou! O mesmo se passa com os chuveiros, já que a água corre apenas durante 20 segundos, sendo necessário carregar novamente no botão para voltar a ter água!
Jantamos numa casa de petiscos ali perto. Pedimos sopa para nos aquecer e o senhor aparece-nos com umas malgas enormes, pão, azeitonas e chouriças assadas! Até temos dificuldade em comer tanto!!

27 Jan. 2010:
Ao pequeno-almoço, apesar da escolha, havia um limite por pessoa: ou se levava um prato com duas fatias de fiambre, ou um com duas de queijo. Não era possível levar uma fatia de cada! A senhora, atrás do balcão, certificava-se que não havia erros no que tirávamos. Enquanto punha a 2ª colher de chocolate no leite, receei o que me aconteceria se quisesse uma 3ª, dado o olhar que me fazia! Ao ver que não existiam guardanapos à disposição, tive a “ousadia” de pedir um à senhora, ao que recebo uma pronta resposta: “Os guardanapos estão nos pratos!”, mas visto que não trazia prato de fiambre ou queijo, não tinha direito a guardanapo! Ela ao perceber, lá me foi buscar um guardanapo, mas com cara de má e a muito custo.
De manhã faço uma linha não muito longe dali com o Nuno. A estrada não chega ao apoio com seccionador onde devemos começar, pelo que temos de andar dois apoios para trás antes de começar. Estamos a chegar ao apoio e, em cima dum penedo gigante, surge um cão de médio porte que fica todo contente por nos ver. Está tão feliz que receamos que se atire de cima do penedo, pois está já em posição de quem vai saltar cá para baixo. Felizmente, dá a volta e aparece para se roçar em nós e nos lamber as mãos. Parece que não vê ninguém há muito tempo, provavelmente foi abandonado. Está magro mas enérgico e começa a seguir-nos para toda a parte. Tentamos não lhe dar muita atenção, na esperança que se afaste, pois não o podemos levar connosco. Segue-nos durante toda a linha. Nos locais mais abertos onde há rocha ou solo nu, segue na frente, como quem indica o caminho. Nos locais com tojo e silvas, espera que passemos, como se nós fossemos os responsáveis por encontrar o melhor caminho! Tem dificuldade em atravessar todos os picos e espinhos, ficando com um andar notório de que aquilo pica!, mas nem assim se afasta. Anda de tal modo próximo que chocamos com ele quando pára de repente ou então empurra-nos. Até as ribeiras consegue ultrapassar!
Terminamos a linha e dirigimo-nos ao carro, sempre seguidos do nosso amigo. Questionamo-nos sobre o que fazer. Não o podemos levar connosco, não conhecemos um canil onde o possamos entregar, mas também não o queremos abandonar. Damos-lhe laranja descascada que come com gosto, dada a fome que tinha. Não o conhecendo, também temos receio de o tentar agarrar para o pôr no carro e tentar levar a algum lado. Optamos por entrar no carro e ir andando devagarinho a ver o que faz. Trota atrás do carro com o mesmo ar feliz do que antes. Vem andando atrás de nós até que vemos passar uma carrinha do Parque. Certamente saberão o que fazer nestas situações. O Nuno acelera na tentativa de os apanhar e perguntar. O cão começa a correr atrás do nosso carro. A estrada é cheia de curvas e bem conhecida pelos técnicos do Parque, pelo que rapidamente os perdemos de vista. Paramos na tentativa de encontrar o cão, mas nem jipe do Parque nem cão… Perdemo-los a ambos… Fico triste com a situação… Apesar de não termos abandonado o cão, senti como se tivéssemos traído a sua confiança e depois abandonado…
Cruzamo-nos com um pastor e pouco depois estamos de novo na aldeia. Pode ser que alguém o encontre e fique com ele, agora que está mais perto das casas.
Almoçamos na mesma casa de petiscos do dia anterior.
Ficamos de nos encontrar com o resto da equipa em Bragança. Mais uma vez, o melhor caminho é pelas vias rápidas de Espanha. Receamos o gelo na estrada, que vemos acumula nas bermas das estradas e no topo das montanhas.
Acabamos o dia a jantar no centro comercial! Quem disse que era só andar no mato?!?

28 Jan. 2010:
Saímos cedo. Está muito frio e os vidros dos carros têm uma camada de gelo. Vou com a Raquel buscar água para os descongelar. Quando finalmente temos os vidros descongelados e estamos prontos para sair, a carrinha não pega… Agarro-me ao volante enquanto os restantes empurram. O pior é que a carrinha estava estacionada de frente e não sai à primeira do lugar. Uns empurram à frente e outros atrás para a manobrar. Vou fazendo o que posso lá dentro, já que a direcção está muito pesada pelo facto do carro não estar ligado. Após várias manobras, lá se vira a carrinha em direcção à saída. Dizem-me para engatar a 2ª e para manter a embraiagem em baixo e depois soltar quando me disserem. Nunca tinha pegado um carro de empurrão pelo que acato tudo o que me dizem. Começam os 5 a empurrar e dizem-me para ter atenção ao portão porque é estreito, mas não param de empurrar!! Sem direcção assistida, lá vou tentando virar o volante o mais que posso para acertar com a saída. Dizem-me para levantar o pé da embraiagem e o carro dá um enorme salto mas pega! Fartei-me de saltar lá dentro, e sem cinto de segurança pior.
Lá fora, receio que tenham batido com a cabeça na carrinha tal foi o solavanco. Depois do portão há uma estrada onde não quero entrar à velocidade a que vou. Volto a carregar na embraiagem e no acelerador a ver se não deixo a carrinha ir abaixo, mas como quero parar antes da estrada, tenho de desengatar e carregar no travão. Uma confusão!, mas a carrinha continuou a funcionar!
As primeiras linhas do dia são feitas na zona de Rabal. Fico com o Nuno perto da aldeia de França. Ainda mal começámos a andar na direcção do 1º apoio e aparece-nos um veado que sai do meio do esteval!! O mato por baixo da linha está cortado pelo que o conseguimos observar muito bem. Corre primeiro para um lado e depois regressa para onde veio, desaparecendo encosta abaixo no meio da vegetação.
Começamos a fazer a linha. É uma linha difícil, julgo que a mais difícil que fiz até então, pois é sempre a subir e a descer encostas com mato… A sorte é que o gelo congelou parte das silvas, tornando-se mais fácil caminhar sobre elas. Finalmente chegamos a Rabal, onde almoçamos umas alheiras com o resto da equipa num café ali perto, onde contamos as aventuras que cada um teve na sua linha. A Carla e a Andreia não conseguiram arranjar local para atravessar um afluente do Rio Sabor e tiveram de fazer quilómetros pela estrada até apanharem boleia.
Depois do almoço seguimos para a aldeia de Montesinho. A Raquel vai fazer uma parte da linha com a Julieta e eu vou deixar o Nuno e a Carla do outro lado da aldeia, seguindo depois para o pinhal para fazer a outra parte da linha com a Andreia. Comparada com a linha da manhã, a progressão no terreno é agora muito mais fácil, contudo sentimo-nos constantemente enganadas por pequenos pedaços de madeira que parecem pequenos ossos. O Nuno e a Carla apanharam umas penas estranhas que desconfiamos serem duma qualquer ave de capoeira que alguém por ali depenou.
Desta vez jantamos nas instalações onde pernoitamos. Dizem-nos que o jantar é servido entre as 19h30 e as 20h30, mas não nos dizem que às 19h30 a comida estará no prato à nossa espera. Quando chegamos às 20h, está tudo frio… Nem conseguimos tirar a pele do peixe e as batatas ganharam uma película espessa… Tentamos encontrar na cozinha alguém que nos possa aquecer a comida no micro-ondas, mas em vão... A cozinheira já tinha saído… Por sorte, alguém nos ouviu chamar e deixou-nos aquecer a comida. Peixe aquecido no micro-ondas não é nada bom, mas mal por mal, ao menos agora estava quente…

29 Jan. 2010:
Depois do pequeno-almoço vamos fazer linhas para a zona de Vinhais. Continua frio e o vento não ajuda nada. Prospecto uma linha com o Nuno e elas seguem para outra zona. O troço é um pouco sobe e desce, mas nada comparado com o dia anterior! Primeiro passamos numa zona de matos e depois uma zona agrícola, entretanto deparamo-nos com um ribeiro com uma vala larga e funda, mas que mal se vê, dada a quantidade de vegetação que tem. Centímetro a centímetro vamos progredindo por cima da vegetação meia tombada, mas sempre com receio de que esta não aguente o nosso peso. Dou-me por muito feliz quando finalmente sinto os pés em terra firme do outro lado!
A estrada de saída é junto ao placard publicitário da Feira do Fumeiro. Infelizmente já foi… e voltamos a casa depois de um óptimo lombo de porco assado com castanhas, em Vinhais. Continua frio e tiramos umas fotos para a posteridade. Depois cada um segue o seu caminho para Lisboa.

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