Do Sapal até à Foz

Narrado por Carla Veríssimo, com os contributos de Julieta Costa, Dora Querido e Nuno Antunes. Fotos de Dora Querido e Carla Veríssimo

25 Nov. 09:
Saímos pela noite e vamos dormir numa residencial na Torreira.
Levamos connosco a nossa primeira voluntária de campo - a Rosário Vitorino.

26 Nov. 09:
Disparamos as primeiras fotografias ainda não são 9 horas. Uma águia-de-asa-redonda, pousada num poste de media tensão. O contexto era perfeito!
Iniciamos a nossa primeira linha pela ria adentro.
Vemos uns barcos e dizemos: Mais valia levar um para fazer a prospecção e deixar um bilhete a dizer: “Prometemos ser breves!!”
O sapal é um terreno duvidoso, mas nós temos as nossas galochas!
Nove e meia, e eu e a Dora, no lodo, já todas enterradas até aos joelhos!
Desistimos de continuar... Vamos pelo caminho cada vez mais longe da linha.
Entretanto, a Julieta liga-nos e diz-nos que aquela linha não é para prospectar!!
Decidimos ir prospectar linhas na Figueira da Foz.
Na foz do rio Mondego, o rio divide-se em dois braços, rodeando uma ilha de aluvião – a Ilha da Morraceira – que compreende sapais, salinas e mais recentemente aquaculturas. Esta zona possui um grande valor para as aves limícolas, como o alfaiate, o pernilongo e a andorinha-do-mar-anã, e ainda para espécies como o flamingo, a garça-vermelha, o pisco-de-peito-azul, a águia-pesqueira e a águia-sapeira ou também chamada tartaranhão-ruivo-dos-pauis.
Denota-se o abandono de algumas salinas e a transformação de outras em aquaculturas, o que produz uma perda irreversível de habitat de alimentação e locais de nidificação das limícolas.
Além disso regista-se alguma caça furtiva tanto a limícolas como a flamingos.
Enquanto prospectavam a linha, a Julieta e a Rosário queriam encontrar caminho para chegarem junto de um apoio. Atravessaram um portão. Havia uma bifurcação, com uma casa ao fundo e alguns carros parados. Não ligaram e tomaram o outro caminho. Quando voltaram para trás, tinham o portão fechado a cadeado!
Ficaram surpreendidas. Dirigiram-se à casa para perguntar o caminho de saída.
Iam sendo mortas pelos piscicultores irritados!, que ainda tiveram a lata de dizer que a situação só não era pior porque eram mulheres!
Julgo que as teriam espancado!
Já noite, voltámos a Aveiro. Ao jantar, numa Pizzaria, servem-me o sumo já no copo, e a água da Rosário já aberta!! Sou por demais minuciosa com as regras básicas da restauração! Quase fui aos arames!
Mas decido fazer a coisa pela calma e educação, na esperança que a gerência tomasse o meu reparo como uma mais-valia. Qual quê?
Já fazemos isto há mais de 20 anos, sempre fizemos assim, e vamos continuar a fazer!!
Hoje, apesar de ser quinta-feira não ouvimos tiros dos caçadores, porque ali, só pesca!
E caça só se a Julieta e a Rosário fossem homens!
Próximo episódio, amanhã, das 7h às 17h!

27 Nov. 09:
Depois do jantar de ontem, ainda fomos a casa do João para nos dar os mapas das linhas correctas a prospectar!
O pequeno-almoço foram padas com manteiga, um tipo de pão típico da região.
Partimos para Vagos, para prospectar uma linha até Sôsa.
Eu e a Dora iniciamos o passo entre silvas e tojos à nossa altura!
A Julieta e a Rosário seguem para iniciar num outro ponto.
No fim de ultrapassarmos o matagal todo, eu e a Dora começamos a descer uma pequena encosta. Ao fundo vemos a Julieta e a Rosário com a carrinha atascada na lama!
Vamos ajudá-las. Pomos pedras, paus, redutoras, empoleiramo-nos as 3 na parte de trás enquanto a Dora tenta desesperadamente mover a carrinha de sítio...
Sem sucesso...
Decidimos ligar para o 112, que nos diz que temos de ligar para a Assistência em Viagem.
Ligamos e dizem que vão mandar um reboque.
Eu e a Dora continuamos a prospectar a linha, para não dar mais um dia como perdido!! Elas ficam a aguardar ajuda.
Um pouco antes do apoio 34 encontramos penas de rola-turca. Fotografamos, recolhemos tudo para um saco, que identificamos, preenchemos a ficha de campo e tiramos o ponto GPS.
No final, as meninas ainda não tinham dado sinal. Continuavam à espera que alguém as socorresse!! a assistência em viagem tinha enviado um carro que não conseguiu rebocar a carrinha. O 112 dizia não poder ajudar, os bombeiros diziam não fazer o serviço e a protecção civil iria cobrar pelo socorro uma quantia estupidamente elevada!, mas que nem disse qual era! Restou-lhes encontrar um proprietário com um mini-tractor, mas com a potência suficiente para as tirar de lá!!
No fim de mais uma aventura, almoçámos numa terra chamada Oiã.
No fim, andámos mais de meia hora às voltas para encontrar o Eixo! Dito assim parece gozo, mas não! É mesmo o nome do próximo local a prospectar. E diga-se que até lá, outros nomes havia como Palhaça e Nariz!
No fim lá encontrámos a linha. Situa-se numa zona onde existem muitos jacintos-de-água (Eichhornia crassipes). A sua introdução e expansão está a afectar o equilíbrio da vegetação natural ao longo das numerosas valas e a reduzir a área de água exposta.
Não encontrámos qualquer cadáver ou outro vestígio. Houve contudo um momento insólito, em que ao chegarmos perto de um apoio, um cão que ali dormia, desata a fugir de nós com um medo de morte! Isso é que ele correu!! Até nunca mais parar! Tal foi o medo! Ou somos de facto assustadoras, com as nossas galochas, casacos, binóculos, máquinas fotográficas e afins, ou o cão sofria de maus tratos humanos!
Ao regresso à Pousada, passamos por uma terra em que havia um lar chamado Lar dos Afectos! Eu e a minha companheira de riso, começamos logo a dizer que quando formos velhinhas queremos ir para um destes!! E até lá, aceitamos Afectos de “idosos” com não mais de 3 rugas faciais, menos de 2 peles penduradas, sem bicos de papagaio e por aí fora!!

28 Nov. 09:
A ria de Aveiro é uma das zonas húmidas mais extensas de Portugal com águas estuarinas, sapais e salinas, importante para muitas espécies de aves aquáticas, como a garça-vermelha, a águia-sapeira, a garça-pequena, e as limícolas: pilrito-de-peito-preto, alfaiate, pernilongo, borrelho-de-coleira-interrompida, borrelho-grande-de-coleira e andorinha-do-mar-anã.
A dragagem do canal que conduz à barra tem vindo a aumentar o caudal de água e a amplitude de marés no sistema lagunar, provocando erosão dos sedimentos e impacto na disponibilidade de alimento das aves. Outras ameaças são a introdução de espécies exóticas como a acácia, a aquacultura e a construção de diques e barragens.
8h10 e já estamos a prospectar uma linha entre Bunheiro e Pardilhó.
Às 9h30 começa a chover. Até agora tem sido sempre assim: só apanhamos chuva no último dia de campo.
Tínhamos combinado prospectar do apoio 39 até ao meio, local onde a Julieta nos deixaria a carrinha, para daí até ao apoio 26 prospectar ela e a Rosário, e eu e a Dora as irmos apanhar no fim.
Andámos, andámos e nada da carrinha. Entretanto já estávamos no apoio 27, quando percebemos que elas estavam no 26 e tínhamos prospectados os mesmos apoios!
No fim, voltámos todas para trás e elas já não conseguiam encontrar o local onde tinham deixado a carrinha!!
Foi mais de meia hora, a pé, às voltas, aldeia acima, aldeia abaixo. Valeu-nos o nosso amigo GPS que tinha um ponto marcado no inicio da linha.
A saga de facto não pára!
Entretanto outro voluntário junta-se a nós – o Nuno Antunes - e antes de almoço ainda prospectamos mais uma linha.
Enquanto elas fazem um troço, eu e o Nuno fazemos outro em que saltamos vedações eléctricas, prospectamos no meio de bovinos e somos interceptados por fazendeiros desconfiados!
A tarde inicia-se com mais uma série de “As voltas”, mas desta vez tínhamos um verdadeiro upgrade em termos tecnológicos: o Nuno trazia um smartphone com Google Earth e GPS integrado que nos dizia exactamente onde estávamos.
Estava mais que contratado!!
Qual voluntário, qual quê!
A linha que a Dora e o Nuno fizeram tinha inúmeras derivações e na parte final muitos quintais e casas que tiveram de ser considerados improspectáveis a fim de não voltarmos a ter mais uma peixeirada como a dos piscicultores.
Eu e a Rosário, no nosso troço, encontrámos logo penas e ossos junto a um apoio, e mais umas penas junto a outro apoio.
Próximos episódios, numa novela perto de si!
Não perca!

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