A linha que nos une

Narrado por Carla Veríssimo e Rita Moreira, com os contributos de Julieta Costa e Sónia Louro. Fotos de Carla Veríssimo.

17 Dez. 09:
A carrinha da SPEA sai novamente para o campo.
A nova colaboradora do Projecto Linhas Eléctricas vai estrear-se! Chama-se Rita Moreira.
E contamos ainda com uma voluntária – a Sónia Louro.
Aproveitamos a viagem até Gouveia para nos conhecermos um pouco. Em Moimenta da Serra paramos para ver as linhas a prospectar no dia seguinte.
Instalamo-nos mesmo no centro de Gouveia, numa Residencial de 2ª, com umas condições excelentes.
Está frio. Jantamos febras com morcela, para dar calor e energia para o dia seguinte.

18 Dez. 09:
7 da manhã e ouço a música da Pantera Cor-de-Rosa, baixa, calminha,... Vem do telemóvel da Sónia.
Acho curioso, lembra-me o som do telemóvel da Dora, não pela música, mas pela forma relaxante como me proporciona o acordar.
Fico na ronha mais uns minutos, até que salto num ápice: collants (a que já tinha cortado as costuras dos pés, de modo a fazer uma espécie de leggins, que facilita quando ficamos com as meias molhadas, e assim só temos de trocar as meias, sem precisar de tirar as collants); calças; meias; botas; calças impermeáveis; camisolas; polar; corta-vento; casaco, gorro e cachecol. Os binóculos, a máquina fotográfica e as polainas serão colocados minutos antes de começar a prospectar.
8 e 10 da manhã e já vamos na estrada que liga Gouveia a Moimenta da Serra.
Vemos duas águias-de-asa-redonda (Buteo buteo) pousadas em fios telefónicos.
Começamos no apoio 5, todas juntas, para que eu e a Julieta possamos explicar à Rita e à Sónia como proceder.
Como já é habitual, encontramos um proprietário de um pinhal. Trocamos umas palavras, explicamos o que andamos a fazer, ele diz-nos que nunca viu aves mortas por ali, nas linhas, e que o que costuma ver são tordos, rolas e melros. Depois ainda nos chama para nos mostrar um míscaro, que vai apanhar para a mulher fazer sopa para o jantar.
Explica-nos a receita e tudo!
De facto o Boletus edulis, o nome científico do míscaro, é uma das melhores e mais apreciadas espécies de cogumelos comestíveis.
A partir do apoio 3 sigo com a Rita, enquanto a Julieta e a Sónia vão fazer outra linha.
Vemos umas petinhas-dos-prados (Anthus pratensis) no chão, junto a umas oliveiras. Tem chovido e insectos não faltam, pelo que andam por ali a saltitar de um lado para o outro.
Com o seu bico forte e curvado, a sua cauda comprida, lá está um picanço-real (Lanius meridionalis), empoleirado no fio entre o apoio 7 e 8. Os picanços espetam os pequenos roedores, as pequenas aves ou os insectos de que se alimentam em arame farpado ou espinhos, para poder comê-los mais facilmente.
Uns metros à frente, piscos-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). Tento fotografar, mas quando me aproximo demais levantam voo das oliveiras e afastam-se um pouco.
Passada esta zona, deparamo-nos com algo muito colorido no meio do nada! Era um parque infantil e tinha também diversos póneis que pastavam à solta. Era uma Quinta Pedagógica. A linha passava pelo seu interior. Ouvimos muitos cães a ladrar, aparentemente presos dentro da quinta. Contudo, ao nos aproximarmos, começam a correr que nem doidos e rapidamente passam por pequenos buracos na rede ou locais por eles escavados. A primeira sensação é de medo, pois eles são muitos, uns pequenos outros grandes, e de todas as cores. Rapidamente percebemos que não nos querem mal, vêm apenas em busca de festas. Muitos são ainda cachorros, apesar do tamanho que já têm: são arraçados de cães serra da estrela! Continuamos a prospecção e eles deixam-nos ir.
Além de todas estas espécies vivas, encontramos ainda um musaranho morto, que talvez algum predador matou para comer, mas desistiu ao sentir-lhe o cheiro...
Diga-se que os musaranhos soltam um odor pouco atractivo,quando são atacados por um inimigo...
Como escalas para o fotografar, uso uma pilha e um osso de ovelha que tinha encontrado. Em vez de O Ratinho, a Mosca e o Homem, temos: O Ratinho, a Pilha e o Osso!!

Continuamos sem encontrar qualquer cadáver de ave e chegamos junto de uma fábrica chamada PRAFIL, cujo slogan é: o fio que nos une.
Achamos por demais romântico!
E em frente ao edifício, uma casota com um cão de loiça!!!
Nem queríamos acreditar!! Afinal a espécie não está em extinção!!
Começamos a rir e a traulitar: Se gostas de animais; Cães de Loiça; que não sujem os quintais; Cães de Loiça; são Bobis bestiais; Cães de Loiça; são cãezinhos maltados; de olhos esbugalhados; e nada saltitões; nunca se vão babar, nem ganir nem ladrar; nem ferrar os ladrões!

Acabamos a linha um vão à frente, já perto do início de Paços da Serra e esperamos que a Julieta nos venha buscar.
A paisagem é dominada por giesta-branca carvalhos, amieiros e freixos na galeria ripícola.
Almoçamos no mesmo restaurante da noite anterior. O senhor é simpático, a comida é muito saborosa e as doses bem servidas!
O bacalhau estava muito bom e as meninas aproveitam para provar um doce típico da região: requeijão com doce de abóbora!
À tarde, a Julieta e a Rita vão fazer uma linha em Nabais/Gouveia, e eu e a Sónia começamos uma que vai de S. Paio a Gouveia.
Enquanto vou confirmar o número de um apoio para ver se era ali que tínhamos de começar, vejo um peneireiro (Falco tinnunculus) a peneirar, mas coitado está tanto vento, que ele não se aguenta muito tempo parado no mesmo ar!
Deixa-se levar e esbate-se por peneirar mais um pouco, e sempre assim até que se afasta tanto que deixo de o ver. É aí que volto à terra e junto-me às meninas, para lhes dizer que o apoio onde devemos começar não é ali.
A Julieta deixa-me a mim e à Sónia um pouco mais abaixo. O apoio fica dentro de uma propriedade. Saltamos uma cerca e lá vamos. A Sónia começa a registar a data, o local, a hora de início, o número e a composição do apoio, o tipo de armação da linha, a voltagem e as coordenadas GPS.
Fazemos o círculo em volta para detectar alguma electrocussão e nada. Seguimos linha adiante, pelo meio de ovelhas que por ali pastavam, até que ouvimos uma voz atrás:
Olhe, desculpem...
E eu já a pensar nos piscicultores furiosos da Figueira da Foz a quererem esganar a Julieta e a Rosário, digo para mim mesma, Pronto, estamos lixadas!
Mas o pastor muito simpático e airoso, pergunta-nos apenas Ainda vão ficar aqui muito tempo? É por causa das cercas, não podem saltar, se não depois podem ficar abertas e as ovelhas saem.
E nós lá lhe explicamos o Projecto e dizemos que de facto entrámos ali por uma parte mais estragada da cerca, e que então devia ver melhor. Dizemos que só temos de fazer mais uns metros até à cerca e que depois saímos por onde nos indica.
Pergunto-lhe se alguma vez viu aves mortas debaixo das linhas e ele diz que sim, junto ao apoio seguinte, uma águia-de-asa-redonda, Mas a terra foi lavrada, por isso agora já não encontram lá nada.
Dou-lhe o número da Julieta para onde poderá ligar caso veja mais. Despedimo-nos.
Vamos muito concentradas no solo, com a imagem de ossos e penas na cabeça, para ser mais fácil encontrar qualquer vestígio.
De repente, apercebo-me que a Sónia parou.
Encontraste alguma coisa?
Parece que sim.
Vou ver. Havia penas na vertical a sair do meio da terra e da vegetação rasteira.
Tiro uma fotografia, antes de começarmos a juntar tudo para nova foto.
A Sónia regista na Ficha de Campo a causa da morte (colisão, pois estamos a meio de um vão); a data de morte (mais de 1 mês, já que há tecido ósseo exposto e não há actividade de larvas de insecto); o habitat junto ao cadáver; a distância ao apoio mais próximo e à linha; o número desse apoio e as coordenadas GPS.
Escrevemos também as mesmas indicações num saco de plástico e guardamos tudo lá dentro. A identificação da espécie fica para depois, ao fim do dia, quando tivermos guias que nos auxiliem.

Passadas algumas cercas, muros e canais, os meus olhos dão com uma petinha-dos-prados, inteira, imóvel, no chão.
Ainda tenho esperança que ao tocar-lhe desperte da sua morte e levante voo... Mas nada... e quando a viro de barriga para cima, vejo a pata direita com sangue e a Sónia repara no olho direito também todo ensanguentado... Colidiu entre dois apoios.
Esta linha é uma TAL com isoladores rígidos duplos, o que quer dizer que é muito perigosa para as aves, tanto a nível de colisões, pelos dois planos de colisão que apresenta, como a nível de electrocussões pela proximidade dos isoladores e das fases ao apoio.
Felizmente até ao fim não encontramos mais cadáveres. Fizemos uns 2 km de linha, mas ainda nos faltam mais 2, que terão de ficar para o dia seguinte pois já não temos luz suficiente para prosseguir.
Entramos num café em S. Paio, enquanto esperamos pela Julieta e pela Rita. A senhora tem a lareira acesa e está sentada junto a ela a aquecer-se. Faz-lhe companhia uma cadela.
Depois do bebermos o chá, diz-nos que podemos juntar-nos a ela para nos aquecermos. Aceitamos. Estamos geladas e temos os pés molhados...
Tiramos as botas a ver se secam um pouco, enquanto aquecemos as meias, os pés e o corpo todo!
Contamos-lhe o que andamos a fazer por ali, e ela diz-nos Com este frio... andarem por aí...
Enquanto a Sónia e a Carla seguem na direcção de Gouveia, eu e a Julieta vamos procurar a nossa linha. Depois de muitas curvas pela nova estrada em direcção a Gouveia, lá a encontramos, junto a um local de exploração de pedra e areias. Deixamos aí a carrinha e prosseguimos a pé. O início percorre-se com alguma facilidade, mas rapidamente se torna complicado. Estamos em plena Serra da Estrela e o que por ali não falta são declives e sobe e desce!
Atravessamos uma zona de vinha que, para pouca sorte nossa, está perpendicular à linha eléctrica! Devia haver uma regra de colocação de vinhas apenas paralelas às linhas! Depois de todo este exercício físico, chegamos ao apoio seguinte. Não encontramos vestígios de aves, apenas ossos daquilo que julgamos serem ovelhas. É aqui que a Julieta se apercebe que não tem a ficha de campo. A falta de papel para registar o que se encontre daí em diante e o facto de termos já alguns dados sobre a linha e apoios leva a que seja necessário voltar atrás. No entanto, como essa ideia não é muito animadora, uma melhor procura nos diversos bolsos das calças e casaco revelam a ficha bem dobradinha! Afinal não é necessário voltar atrás e podemos continuar!
Após uma zona de pastagem, começamos a descer na direcção de uma linha de água. Pelo caminho vamos encontrando um giestal que se mostra cada vez mais alto e denso. Ficamos incapazes de conseguir encontrar possíveis vestígios e é também complicado ver a linha por cima das nossas cabeças. A Julieta sobe a um carvalho que se encontrava ali no meio, de maneira a ter um melhor plano sobre a vegetação e ter uma noção do que ainda nos falta percorrer. Estamos perto do ribeiro! Ainda tentamos furar por entre o giestal, mas passá-lo torna-se impossível… Além de que junto do ribeiro existe um grande silvado que também não nos permitiria atravessar.
A única solução é regressar à zona de pastagem e seguir caminho pela estrada, atravessando a linha de água.
Do outro lado deparamo-nos com um portão. Contudo, uma vez que a casa está ainda em construção, este está aberto e conseguimos passar. Vamos avançando até nos depararmos com uma vedação de arame. Temos de dar a volta para poder continuar a prospecção.
Encontramo-nos na parte pior da prospecção. Mais uma vez nos deparamos com giestas mais altas do que nós e novamente em zonas de serra com grande declive.
Mais uma vez fazemos um esforço de modo a tentar chegar aos apoios, mas em vão. Só nos resta subir a encosta e esperar que no topo a vegetação seja mais escassa e baixa, uma vez que para baixo é já um socalco muito alto para descer.
Com esforço lá conseguimos subir até ao topo do monte e com menos vegetação. Avançamos apenas em direcção ao próximo apoio, uma vez que o vão é improspectável dada a densidade da vegetação. Mas mesmo chegar apenas aos apoios é quase impossível. Por mais que seja o esforço empenhado em empurrar giestas para abrir espaço para passar, os tojos e as silvas impossibilitam a continuação. O melhor é então tentar abrir caminho por entre as giestas de modo a tentar sair dali, sempre com o cuidado das pedras soltas e dos possíveis buracos ocultos pela vegetação.
Finalmente chegamos a uma zona mais aberta! Aqui a prospecção é novamente possível. Estamos a chegar a uma povoação e temos de atravessar o campo de futebol para chegar ao apoio. A linha segue agora por cima de quintais. Encontramos uma proprietária, a quem pedimos autorização para prospectar a linha e o apoio do seu terreno.
Explica-nos como chegar ao apoio e despede-se, dizendo que está muito frio para andarmos a trabalhar na rua.
A prospecção continua pelo meio da horta, com cuidado para não estragar as couves nem outras plantações que ali existem.
O dia já vai longo e a prospecção começa a tornar-se complicada devido à pouca luz existente. Saltamos mais um muro, aproveitamos o poste de um candeeiro para descer e estamos finalmente numa estrada alcatroada. O resto da prospecção terá de ficar para amanhã, dada a falta de luz.
Resta-nos então fazer o caminho de regresso para o carro, não sabendo a que distância estamos do mesmo, já que viemos a corta-mato e a estrada agora é sempre às curvas pela encosta da serra. É praticamente noite quando atravessamos Nabainhos e chegamos a um cruzamento que indica Gouveia. Felizmente trago comigo uma luz que nos sinaliza juntamente com os reflectores do casaco. É já noite escura e temos de ter cuidado com os automóveis, que passam depressa na estrada, já que não existem passeios. Ao fim de um bocado de caminhada, passa por nós um autocarro que pára e nos pergunta se precisamos de boleia até Gouveia. Parecia uma dádiva caída do céu, mas não queríamos ir até Gouveia, tínhamos de ficar bastante antes e naquela indecisão e incredibilidade do que estava a acontecer, o motorista encolheu os ombros e seguiu o seu caminho. Esta gente das terras mais pequenas é mesmo diferente daquela que vive na grande cidade! A desconfiança e espanto de tal oferta levou-nos a perder uma óptima boleia e restou-nos continuar a andar, sem saber quanto faltava.
O ar estava gélido, mas com o caminhar até tínhamos calor. Só não podíamos era beber a água que levávamos, de tão gelada que estava! Pelo caminho tentávamos reconhecer algo que nos permitisse dar uma noção de quanto faltaria até chegar à carrinha. Finalmente reconhecemos a casa em construção que havíamos passado. Certamente estamos perto! Depois de cerca de 4 km a pé, chegamos finalmente à carrinha! Depois de retomar o fôlego seguimos em direcção a S. Paio para apanhar a Carla e a Sónia, que nos aguardavam num café.

Quando elas chegam, vamos para a residencial, desesperadas por conforto e um banho quente!
Ao jantar, continuamos fiéis ao nosso amigo das doses, e não há nada como uma sopinha quente para nos aquecer o corpo. No fim, avisa-nos que está fechado no dia seguinte.
Agradecemos então toda a simpatia dos últimos dias e até lhe perguntamos o nome, pois havemos de voltar.
Após o jantar, tentámos identificar as aves que tínhamos encontrado. A que tinha morrido recentemente era uma petinha-dos-prados (Anthus pratensis) e o crânio limpinho seria provavelmente de uma alvéola (Motacilla sp.), dado que tinha um bico de insectívora e de cor preta. Já as penas da ave de rapina suspeitamos que sejam de um açor ou de um gavião (Accipiter sp.), uma vez que no nosso guia de identificação não aparecem penas das duas espécies para comparação.

19 Dez. 09:
Manhã bem cedo, mantemos as mesmas equipas para terminar as respectivas linhas. Apesar da linha da Julieta e da Rita ter menos apoios que a minha e da Sónia, é muito mais difícil de percorrer e tem mais obstáculos a transpor.
As poças de água estão congeladas, os tanques de água têm uma camada de água congelada ao de cima, as ervas têm gelo, mas não está muito frio. Está um bonito dia de sol!
As alvéolas-brancas (Motacilla alba) pousam num caminho, relativamente perto de nós, em busca de insectos.
Junto a um apoio está um aglomerado de penas listadas. O procedimento é o costumeiro.
Antes de terminarmos a linha ainda vemos mais aves, mas vivas, felizmente! Um chamariz (Serinus serinus), alguns pintassilgos (Carduelis carduelis), uma águia-de-asa-redonda e vários picanços-reais.
Somos também surpreendidas por cães a ladrar. Abrandamos o passo. Tentamos não mostrar medo, mas torna-se difícil, quando eles não acalmam e um está solto.
Ainda não tínhamos chegado perto da cerca junto ao apoio seguinte, quando ele salta do socalco de cima para o debaixo e fica mais perto de nós. Não demorámos muito a saltar aquela cerca!

Entretanto, eu e a Julieta seguimos na carrinha para o local onde havíamos terminado ontem. O apoio encontra-se dentro de um parque de campismo e, como tal, vamos em busca da entrada do mesmo. Para lá chegarmos temos de descer uma estrada de terra batida tão íngreme que até duvidamos se existe estrada por baixo. Depois de passar esta parte complicada, o resto faz-se bem.
À porta encontramos um senhor de nacionalidade estrangeira que vinha buscar o pão pendurado no portão, como é costume nestas zonas. Explicamos-lhe o que andamos a fazer e pedimos autorização para prospectar as linhas e apoios no interior da propriedade. Indica-nos que em tempos encontrou morta, perto de um apoio, uma “águia daquelas das cobras”. Entramos com a carrinha e fazemos a prospecção no interior. Todo o parque de campismo está construído em socalcos e aparenta ter boas condições, apesar de deserto nesta altura de frio.
A linha continua e atravessa uma data de quintais e casas particulares até chegar a uma zona mais aberta com um curso de água. Deixamos a carrinha e descemos para o terreno tendo o cuidado de não cair dentro de um tanque ao fazê-lo. Tudo é monitorizado até chegar à ribeira. Esta tinha alguma profundidade, corrente e cerca de 1,5 m de largura, pelo que não dava para saltar. Mas era apenas ela que nos impedia de continuar sem ter de dar uma enorme volta. Se ao menos existisse um tronco ou umas pedras que permitissem atravessá-la…
Troncos não existiam, apenas pedras. Tentamos rolar uma que estava ali mesmo ao pé, mas assim que chega à borda da água, fica quase submersa… Assim não ia funcionar. Continuava a ter muita água até à outra margem. Procurámos e mais acima encontrámos mais pedras. Umas enormes e certamente impossíveis de levantar ou arrastar. Mas conseguimos arranjar uma outra mais pequena. Com esforço, eu e a Julieta lá a levantamos e vamos levando até à água. Temos de parar no caminho para descansar, tal era o peso. Ao chegarmos novamente à borda da água, fazemos o maior esforço para a atirar, mas foi em vão… Não chegou sequer a meio da ribeira e ficou submersa na água. Só nos restava mesmo voltar atrás.
Atravessamos uma ponte pedonal sobre a ribeira e entramos numa propriedade em busca da linha e dos proprietários. Não encontramos ninguém, apenas um cãozinho preso a uma casota que se esconde quando aparecemos. O apoio é mesmo no meio do quintal, junto a um barracão, pelo que seria difícil encontrar algo.
O vão seguinte é novamente junto de uma propriedade. Como tal, vamos pelas ruas de Melo. As ruas são estreitinhas e as pessoas olham-nos com um ar curioso. Pelo caminho encontramos um posto de transformação. Tem algumas penas soltas em redor, mas existem também galinhas nos terrenos em volta, pelo que ficamos na dúvida se serão de aves domésticas ou selvagens. Fica a ideia de apanhar penas de galinha para ver os padrões das mesmas.
O último apoio está também numa propriedade, pelo que não lhe conseguimos aceder. Voltamos então para a carrinha e falamos com o outro grupo para ver onde andam e se precisam de ajuda.
Tinham encontrado uma rapina e por isso estavam mais atrasadas. Eu e a Julieta tentamos perceber no mapa onde era o final da linha delas para poder prospectar essa parte. A linha acabava mesmo em Gouveia, perto daquilo que parecia ser uma fábrica no mapa impresso da fotografia aérea. A única fábrica que conhecia ali na zona era em Gouveia, mas perto de S. Paio, pelo que nos dirigimos para lá. Por ser sábado, não tinha lá ninguém. Havia uma série de linhas que vinham ter à fábrica, mas nenhuma se aparentava com o esquema de linhas marcadas no Google. Não podia ser ali. Fomos então procurar noutra zona de Gouveia onde existissem linhas e fábricas semelhantes. Depois de muito andar para a frente e para trás e de atravessar Nespereira e encontrarmo-nos novamente em S. Paio em vez de Gouveia, lá demos com o fim da linha. Aquilo que julgávamos ser uma fábrica, afinal era o Intermarché! Nesta zona existiam imensas linhas, uma vez que havia uma subestação. Parámos a carrinha no parque do supermercado e fomos para a linha, que terminava num posto de transformação mesmo na esquina do Intermarché. Pedimos autorização para subir as paletes vazias que se encontravam empilhadas e começámos a prospecção. Afinal aquilo era uma derivação da linha pretendida. Subimos uns muros, saltamos umas redes e finalmente encontrámos a Carla e a Sónia. No caminho de regresso à carrinha saímos por um dos portões de uma das propriedades como se fossemos as verdadeiras proprietárias!, porque o portão estava aberto e aquilo parecia tudo nosso!
Como o senhor António tinha o restaurante fechado, acabamos num restaurante de bomba de gasolina na zona industrial de Gouveia.
Após alguma discussão sobre o acompanhamento da vitela, pois pretendíamos outro que não batatas fritas, preferencialmente as batatas a murro que serviam com o bacalhau, esta lá veio e estava óptima!
Enquanto a Carla foi à casa-de-banho, surge um senhor que servia às mesas, a perguntar se estávamos ali em alguma estância para fazer esqui, ao que respondemos que não. Após olhar bem para cada uma de nós, disse que conhecia a Sónia, que ela já ali tinha estado antes! Era impossível, o senhor só podia estar a fazer confusão porque a Sónia nunca ali havia estado.
À tarde faço parelha com a Rita numa derivação da linha que a Julieta e a Sónia prospectam.
Estamos em Folgosinho! Essa aldeia famosa na Serra da Estrela!
Para prospectar 5 apoios, acabamos por demorar quase o mesmo tempo que elas nos seus 12, porque só para percebermos que era de facto aquela a derivação, andámos às voltas, às voltas, mapa na mão, conversa com elas pelo walkie-talkie, contagem de apoios, tudo para perceber o que tínhamos de fazer! Ainda por cima havia uma corrida de Moto4 ali na zona e estava tudo cheio de jipes. Foi um dos rapazes que nos indicou a terra onde estávamos: Freiche (que é como quem diz Freixo da Serra!, já que aqui nesta zona toda a gente assobia quando fala!).
Felizmente não encontrámos aves mortas ao longo do percurso, mas ouvimos cotovias (Galerida sp.) e vemos escrevedeiras-de-garganta-preta (Emberiza cirlus) e petinhas e cães, como de costume, sempre a ladrar desenfreadamente.
Já não se fazem cães como em Aveiro, que fogem com o rabo entre as pernas!!
Passamos por vários castanheiros, as castanhas já são poucas e pequenas, mas ainda apanho algumas para ir comendo pelo caminho.
Quando terminamos vamos para o fim da linha da Julieta e da Sónia, para as apanhar. Elas estavam mesmo a finalizar.
Durante a viagem de regresso vamos contando as aventuras umas às outras. Elas brincam comigo, porque gostei muito do pastor simpático e airoso!
A Sónia conta que encontraram várias pessoas ao longo dos terrenos que também lhes disseram: Com este frio, andarem aqui a trabalhar!...
E depois, diz para nós: Olha, deve ser daí que vem a expressão Trabalhar pra aquecer!
Desatamos a rir.
Depois é a vez da Julieta contar que a Sónia queria ficar com o cão de um pastor....
E assim fomos rumo a sul, ao som de estórias de cães, pastores e aventuras no campo!

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